Classificação de risco é mais do mesmo

E os interesses não declarados dos economistas responsáveis por essas avaliações?

Juracy Soares

O Brasil ocupa uma classificação de risco de crédito inferior as atribuídas pela Standard & Poors a países como Colômbia, Cazaquistão, Montserrat, Marrocos, Panamá, Peru e Filipinas, por exemplo.

Esse passou a ser o panorama traçado no início deste mês por uma das maiores agências de classificação de risco, que anunciou que o crédito soberano do Brasil passou de BB para BB-, classificando o país como uma escolha mais arriscada para investimentos.

Descemos a ladeira no ranking da agência que, em setembro de 2015, já havia rebaixado a nota do país de “BBB-” para “BB+”, no auge da maior crise macroeconômica do Brasil, provocada pela grave crise fiscal, política e econômica iniciada em 2014.

A notícia do novo rebaixamento já era pra lá de esperada pelo mercado financeiro e não causou abalos na economia. Quem está acostumado com as entrelinhas do xadrez político identificou a pressão para que os parlamentares aprovem a reforma da Previdência Social. Tem sido assim mesmo faz tempo.

Mas repercussão natural da pauta, devido à importância das transações no mercado financeiro para economia do país, não pode ignorar dois aspectos importantes para a compreensão do cenário: a teoria do agendamento, que defende que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados com maior destaque na mídia, e os interesses não declarados dos economistas responsáveis por essas avaliações.

A própria agência Standard & Poors já foi alvo de investigação por sua conduta irregular. Nos EUA, ela fechou acordo com autoridades e aceitou pagar multa de US$ 1.37 bi ao governo por ter enganado investidores sobre a qualidade de títulos de crédito. Esse foi um dos desdobramentos da crise americana dos “subprimes”, amplamente noticiada em fevereiro de 2015.

Como justificar a movimentação pantanosa das classificações de risco de crédito? A ficção sempre nos socorre, quando não nos suplanta em alguns casos. O filme “A Grande Aposta”, por exemplo, evidencia o conflito de interesses de agências de rating que, em vez de adotarem o papel para o qual originalmente foram criadas (análise de mercado), passam a especular adquirindo títulos. E ao manterem tais ativos em seu portfólio, deixam de reportar ao mercado fatos que deveriam chegar ao conhecimento de investidores que pagam por suas análises (e esperam receber opiniões isentas).

Outro filme documentário magistral na missão de explicar como se dão esses conflitos de interesses entre empresas, bancos, agências de classificação de riscos é o “Os Caras mais Espertos da Sala”, que aborda a derrocada da Enron, então maior empresa do setor de energia dos EUA. A queda da Enron se transformou em um “case” para ser estudado nas próximas décadas sempre que alguém quiser entender sobre como funciona o sistema financeiro em todo o mundo.

Os interesses do capital devem ser atendidos a todo custo. É exatamente esse o cenário atual. O mercado quer a instalação da Previdência privada de forma plena em todo o Brasil. Para tanto, é necessário desmontar a Previdência Pública, custe o que custar, inclusive, passar por cima da validade e da eficácia das Emendas Constitucionais 20/98, 41/2003 e 47/2005.

Uma Reforma da Previdência deve cobrar dos devedores, aprimorar a gestão, acabar com o direcionamento de recursos da seguridade social para a União e rediscutir as renúncias fiscais.

Carece de qualquer sentido tachar grupos de servidores públicos como sendo “privilegiados” e responsáveis pelo grande problema da previdência no país. Principalmente quando os acusadores são parlamentares que se aposentam com oito anos de “trabalho”.

Antes de retirar direitos previdenciários de milhões de brasileiros, o governo deveria priorizar no ajuste fiscal: aprovar uma reforma tributária que, de fato, simplifique o sistema e promova a justiça fiscal; fomentar o combate às sonegações; cobrar efetivamente a dívida ativa da União; rediscutir os excessos de benefícios fiscais (R$ 56 bilhões por ano), entre outras medidas. Essas sim, merecem todo espaço nas mídias do país.

De resto, só me resta concordar com o ministro Meirelles em um ponto: rating é normal, faz parte do trabalho das agências e não devemos transformar essa medida uma grande discussão política. Só seria mais do mesmo a serviço dos de sempre.

Juracy Soares – doutor em Ciências Jurídicas (UMSA/Arg), mestre em Controladoria pela UFC, auditor fiscal do Estado do Ceará e diretor de Estudos Tributários da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)

 
 
 
Fonte:  JOTA
 

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