Veto à redução salarial de servidor não significa que virão aumentos
A decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir a redução de salário e de jornada para servidores públicos, mesmo se os gastos com a folha salarial ultrapassarem o teto estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, provocou uma expectativa em relação a reajustes salariais para o funcionalismo no cenário pós-pandemia. Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que a decisão não afeta as barreiras legais para aumento de salário nos próximos anos. Mas há quem entenda que a decisão do STF sugere um afrouxamento na política fiscal do país, num momento em que parte do governo defende uma redução no contracheque dos servidores, como contribuição ante o impacto econômico da crise do coronavírus.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), recorda que o governo já impôs diversas travas ao aumento salarial de servidores. “Quem avaliou uma corrida por reajustes tem imaginação fértil”, ironiza. “Em primeiro lugar, o Plano Mansueto determinou que reajustes só podem ser dados dentro do mandato do gestor”, nota.
Além disso, observa Marques, o próprio STF decidiu que o poder público não é obrigado a dar reajuste anual, se não tiver dotação orçamentária. “E tem, também, a lei do teto dos gastos. Ou seja, não faz sentido pensar que o STF abriu qualquer possibilidade”, afirma.
Para Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, a decisão do STF impõe limites à ação do “trio BMG” (Bolsonaro, Mourão e Guedes). Ele afirma que o governo insiste em afetar a vida financeira dos servidores, que já estariam prejudicados com a reforma da Previdência. “O governo não pode continuar agindo de forma absoluta. Temos que ficar atentos. Ainda existem projetos no Congresso para reduzir salário, com o argumento de que o servidor tem que dar a sua contribuição”, lembra.
Retrocesso
Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, entende que a decisão do STF representa um retrocesso e pode prejudicar os próprios servidores. “Diante da penúria fiscal, considerando que vários estados sequer conseguem pagar os salários em dia, a redução salarial era um remédio amargo, porém menos drástico do que a demissão de estáveis, prevista na Constituição, quando do descumprimento do teto de gastos”, destacou.
Um ponto controverso na decisão do STF foi a discussão sobre a possibilidade de o Executivo limitar repasses de recursos a outros Poderes em caso de frustração de receitas no Orçamento. Por 6 votos a 5, a Corte de Justiça manteve a autonomia. Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria continuarão com a liberdade de administrar suas próprias contas, embora o caixa de onde sai o dinheiro seja único, o da União.
De acordo com Bruno Conti, do escritório Wagner Advogados Associados, a autonomia orçamentária dos Poderes foi apenas confirmada pelo STF. Ele lembra que Legislativo e Judiciário têm salários mais robustos, mas o Executiconta com mais funcionários. Do total de gastos salariais com o serviço público, de aproximadamente R$ 200 bilhões, o Executivo responde por R$ 170 bilhões.
Gil Castello Branco nota que a decisão de impedir o Executivo de cortar o orçamento dos outros Poderes confirma uma prática que já acontece. Mas chama a atenção para a realidade econômica da pandemia no Brasil. “Em uma situação fiscal extrema como a que o país atravessa, o sacrifício deve ser compartilhado entre todos os Poderes. Não faz sentido apenas que o Executivo seja penalizado”, argumenta.