Taxação de grandes fortunas volta a ser debatida como saída pós-pandemia

Em meio a uma crise sem precedentes, que afunda a produção e o consumo no país, o governo é obrigado a abrir mão de receita e aumentar os gastos, em várias esferas. Adiar pagamentos de impostos, suavizar cobranças, pagar auxílios e socorrer empresas e pessoas em situação vulnerável são medidas urgentes, mesmo com o impacto gigante nos cofres públicos. Até agora, quase R$ 1,2 trilhão foram injetados na economia, aporte mais do que necessário.

O problema é que, depois, a conta chega. A dúvida sobre o que será feito no pós-pandemia para arcar com as inesperadas – porém, inevitáveis – despesas preocupa especialistas e parlamentares. Volta à tona, por exemplo, o debate a respeito de taxação de grandes fortunas, que não vem de agora. Há projetos de lei sobre o assunto há mais de uma década, mas o horizonte pessimista colocou a medida como opção para cobrir parte do buraco gerado pelos gastos emergenciais.

Há dezenas de propostas que sugerem taxação de 0,5% até 5%, a depender do patrimônio. Elas também afetariam camadas variadas da população, pelas concepções diferentes de onde começa a linha de “grande fortuna”. Alguns parlamentares sugerem cobrança de quem tem mais de R$ 2 milhões em bens móveis e imóveis; outros, a partir de R$ 20 milhões. O entendimento geral, porém, é de que “é possível começar a mandar a conta também para o andar de cima”, explicou a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS), autora de um dos projetos.

A aposta da parlamentar é de que, agora, com a crise, a população consiga pressionar o Congresso a encaminhar o assunto. “O sistema tributário já é muito regressivo. Ou seja, os mais pobres já pagam mais, proporcionalmente, do que os mais ricos. Isso não vai mudar por iniciativa do governo, que defende políticas ultraliberais. Acho que, agora, tem clima na sociedade. Muita gente está vendo a necessidade, e ajudaria a arrecadar bastante, na casa de centenas de bilhões de reais”, diz.

Os projetos com foco na tributação, embora comumente originados nas bancadas mais voltadas à esquerda, agora vêm também de partidos de centro e de direita. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) sugeriu um imposto sobre grandes fortunas, com a garantia de que os valores recolhidos sejam usados para cobrir gastos com a pandemia. A proposta dele incide sobre quem tem patrimônio a partir de R$ 22,8 milhões, e as alíquotas variam entre 0,5% e 1%.

As propostas não se resumem à renda das pessoas, mas também de empresas. Líder do PL na Câmara, o deputado Wellington Roberto (PL-PB) pleiteia a votação, com urgência, do projeto de lei complementar (PLP) 34/2020, que obriga grandes empresas com patrimônio acima de R$ 1 bilhão a emprestarem 10% do lucro para combate à pandemia. A proposta, entretanto, não é consensual e enfrenta resistência até dentro do partido. Um correligionário de Roberto comentou que “a medida faz parte de uma onda demagógica”.

 

(foto: Editoria de arte/CB/D.A Press)
(foto: Editoria de arte/CB/D.A Press)

 

Defasagem

Entidades ligadas ao Fisco também defendem a taxação de lucros e dividendos, que atingiria a parte mais rica da sociedade. Rodrigo Spada, presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), explica que, com a medida, “as empresas teriam mais incentivo em reinvestir na própria atividade”. A proposta de aumentar a cobrança sobre doações e heranças iria na mesma linha. Hoje, a alíquota não passa de 8%. Na visão dele, seria justo que fosse usada a mesma base do Imposto de Renda, como ocorre em outros países.

Outra ideia tributária, não para alavancar recursos, mas para desonerar os mais pobres após a crise, é atualizar a tabela do IR, que não é corrigida desde 2016. A defasagem chega a 103,87%, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Se a tabela tivesse sido corrigida pela inflação acumulada, pessoas que recebem até R$ 3.881,65 mensais não precisariam pagar o IRPF. O valor atual é de R$ 1.903,98.

Ainda que haja controvérsias, deputados e senadores também falam sobre retomar a ideia de cobrança de Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que hoje incide sobre donos de carros e motos, e estendê-la a proprietários de lanchas, jatinhos, aviões, helicópteros e iates. “Quem tem um carro popular paga imposto. Quem se desloca por helicóptero não paga. Essas medidas precisam ser questionadas”, lembra Spada, da Febrafite.

Parlamentares de partidos de centro e esquerda estudam apresentar a sugestão como projeto de lei paralelo e vincular o dinheiro obtido à contenção de prejuízos com a pandemia. A destinação seria carimbada não só neste ano, mas nos próximos, já que as consequências não devem ser resolvidas no curto prazo. 

Fuga de capital 

Além de amplamente criticada pela equipe econômica do governo, a possibilidade de taxar grandes fortunas e aumentar cobranças sobre empresas preocupa especialistas. A consultora econômica Zeina Latif alerta para o perigo de debater “puxadinhos” na legislação tributária durante a crise. As iniciativas, segundo ela, podem gerar fuga de recursos. Ou seja, podem fazer investidores saírem do país, pela alta carga de impostos.

“Acho que isso não deveria ser colocado como opção. O Brasil precisa de reforma tributária. Ponto final. Ao mexer nisso corre-se risco de piorar essa coisa disfuncional que tem hoje no sistema tributário”, afirma Latif. Na visão dela, como a capacidade arrecadatória já é baixa, “se calibra mal, acaba desestimulando investimentos no país”, o que já é um problema observado atualmente.

Para a economista, o melhor caminho é pelo lado das despesas, ou pela sinalização de que as contas públicas poderão ser sustentáveis. “Não é pelo lado da arrecadação. Não tem espaço para cortar despesas, mas agora seria importante ir na direção correta. Pensar em uma reforma administrativa ou encaminhar propostas já em andamento, que criam gatilhos para suspender, por exemplo, aumentos de salários de servidores e cortes de benefícios”, considera.

O economista e consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, não vê necessidade de discutir a taxação de grandes fortunas e lembra que sequer é possível saber o tamanho do impacto da crise do novo coronavírus nas contas públicas. “Tem que saber como vai ser a retomada da economia depois de passada a crise recessiva. Pode ser muito robusta. É muito prematuro pensar em taxar fortunas.”

 

Fonte:https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/27/internas_economia,848598/taxacao-de-grandes-fortunas-volta-a-ser-debatida-como-saida-pos-pandem.shtml

 

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