Reforma tributária e seguridade social (Gilberto Pereira*)
A reforma tributária, que está no Senado, extingue três tributos: o PIS (Programas de Integração Social), a Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e cria, em nível federal, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) que, em parte, passa a financiar a seguridade social.
De acordo com o artigo 239 da Constituição, o PIS passou a financiar o programa de seguro-desemprego, outras ações da Previdência Social e o abono anual dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês. Ou seja, essa contribuição, apesar de financiar, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ações da seguridade social, não vai toda para as ações do setor, já que também é destinada em parte ao BNDES para financiar programas de desenvolvimento econômico.
Antecessor da Cofins, o Finsocial (Fundo de Investimento Social), criado pelo Decreto-lei nº 1.940/82, é destinado a custear investimentos de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação e amparo ao pequeno agricultor. Com a Lei Complementar nº 70/91, foi instituída a Cofins para financiar as ações relativas às políticas públicas da seguridade social (saúde, previdência e assistência social).
Então temos que parte dos recursos do PIS e da Cofins já era destinada à seguridade social. E o IPI? Pois, bem, recursos do IPI e do IR (Imposto de Renda) são destinados aos atuais fundos de participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM).
Se considerar a arrecadação de 2022, a soma de IPI, Cofins e PIS (R$ 64,9 bi + 312,9 bi + R$ 87,0 bi) totalizou R$ 464,8 bilhões. Ou seja, seria a arrecadação da CBS a preços correntes. Só que 46% do IPI é destinado ao FPM (24,5%) e FPE (21,5%), o que totalizou em 2022 menos R$ 29,9 bilhões, ou seja, 6,5% da projetada CBS (fonte: Relatório de Arrecadação da Receita Federal). Será que estados e municípios irão abrir mão desses recursos?
Por isso, a fonte de financiamento da Seguridade inserida no artigo 195, inciso V, pela PEC 45/19-A, que se diz exclusiva dos programas sociais, poderá ser mudada pela lei complementar.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (texto vigente):
V – sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar (proposto pela PEC 45/19-A)
Até aqui, já temos que 24,5% da CBS (R$ 113,87 bi) poderão ser destinados a outros fins, sem contar que a PEC 45/2019-A elenca inúmeras isenções e taxas reduzidas, contrariando um pilar da reforma que era base ampla e sem isenções.
Em 2022, as receitas da Seguridade Social alcançaram a cifra de R$ 1,09 trilhões, sendo que a despesa foi de R$ 1,23 trilhão, gerando uma necessidade de financiamento de R$ 131 bilhões. Tal fato não ocorreria se não houvesse a renúncia fiscal de contribuições sociais de mais de R$ 242 bilhões (fonte: Anfip – Análise da Seguridade Social – 2022).
Portanto, há que se ter uma análise acurada das mudanças pretendidas para não colocar ainda mais em risco as políticas públicas essenciais para a redução da desigualdade social. A palavra está com os 81 senadores na sequência da tramitação desta reforma que, por enquanto, somente visa a tributação sobre o consumo.
(*) Gilberto Pereira é auditor fiscal da Receita Federal e vice-presidente de Assuntos Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
Fonte: Conjur