Reforma para que ou para quem?
Constitucionalistas dizem que a previdência é um direito de segunda geração
Parafraseando a música dos “Titãns” (Titãs), “o tema mais debatido dos últimos tempos da última semana” tem sido a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06 de 2019, conhecida como a reforma da previdência ou, como o governo a intitulou, Nova Previdência. A grande verdade a respeito desse projeto é que seus termos vieram carregados de complexidades que transformam qualquer análise em quase um tratado sobre Direito Constitucional, Previdenciário e Tributário, além do fato de ser uma das maiores PEC’s, senão a maior, já apresentada. Para falarmos a respeito do assunto é necessário minimamente esclarecer onde está inserida a previdência social e as confusões feitas ao seu respeito.
Nossa Constituição reservou um capítulo inteiro para tratar de seguridade social, sendo essa o gênero do qual a previdência social é espécie. A seguridade social é formada pela: Saúde, Assistência e por fim pela Previdência social, nos termos do artigo 194 de nossa Carta Maior.
Os grandes constitucionalistas classificam a previdência social como sendo um direito de segunda geração ou dimensão, e a alçada desses direitos ao nível constitucional consubstanciou uma das maiores evoluções constitucionais de nossa história recente. Um dos pontos mais controversos da PEC 06 é justamente o rebaixamento desse direito ao nível legal, afrontando diretamente a teoria da vedação do retrocesso social. Ao estabelecer que o núcleo essencial relacionado a seguridade será ofertado aos ditames do legislador ordinário, seguindo rito de Lei complementar, na prática o que se vislumbra é o enfraquecimento, a desconstrução e mesmo a relativização desse direito. Cumpre destacar que o rito do processo legislativo das emendas à constituição e das Leis complementares é concretamente diverso. Esse rebaixamento é um retrocesso sem precedentes que possivelmente gerará insegurança jurídica aos que já se aposentaram, aos que ainda sonham em se aposentar e mesmo aos que ainda nem começaram a trabalhar. Em suma, trata-se um cheque em branco assinado com identificação apenas de linhas gerais sem a apresentação do projeto de Lei Complementar aludido.
A grande verdade a respeito desse projeto é que seus termos vieram carregados de complexidades que transformam qualquer análise em quase um tratado sobre Direito Constitucional, Previdenciário e Tributário
A PEC trata ainda da elevação das alíquotas da contribuição previdenciária a patamares que beiram o confisco, podendo chegar a 22% em alguns casos. A progressividade tributária é assunto que foi tratado pelo constituinte originário, sendo estampada notadamente nos tributos que recaem sobre renda e patrimônio, como é o caso: IPTU, ITR e IR. Com relação á progressividade da contribuição previdenciária, o Supremo Tribunal Federal decidiu por diversas vezes acerca da impossibilidade da aplicação da alíquota progressiva em relação à contribuição previdenciária, como por exemplo na ADI 2010-DF, bem como na Ação Declaratória de Constitucionalidade 08. O voto do eminente relator, Ministro Celso de Mello, deixa muito claro o espectro de análise:
“A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído.”
Somando-se contribuição previdenciária e imposto de renda, teríamos o inimaginável patamar de aproximados 40% do rendimento retido na fonte. Lembrando que nossa tributação não se encerra por aí, temos ainda, segundo estudo da OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), uma das maiores tributações sobre o consumo do mundo, bem como uma dos maiores percentuais de tributação na américa latina em relação do produto interno bruto, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos num determinado país em determinado período. Além disso, reforçando a iminente possibilidade de confisco, a proposta estabelece ainda a possibilidade de criação de contribuições extraordinárias para os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos entes federativos por prazo determinado (até 20 anos) e vinculada a plano de saldamento nos casos de déficit atuarial.
Ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) houve uma disfarçada aparência de melhoria. Digo isso tendo em vista que, com a progressividade, buscou-se destacar a redução da alíquota incidente sobre os benefícios do RGPS, todavia, relegou-se a segundo plano algumas alterações extremamente importantes tais como: – Fim da aposentadoria por tempo de contribuição; – Idade mínima de 62 para mulheres e 65 para homens; – Vedação de acúmulo de pensão e aposentadoria; – Aposentadoria rural que passa a ter a exigência de 60 anos a ambos mais 20 anos de comprovada contribuição, com valor mínimo estipulado inicialmente e que poderá ser revisto pela LC que regulará o acesso aos benefícios; e diversas outras alterações que têm impacto direto e contundente na vida das pessoas menos favorecidas. Impõe-se ainda nova regra para cálculo dos benefícios, onde para que se chegue ao benefício integral, é necessário nada menos que 40 anos de contribuição (60% da média dos 20 anos mais 2% a.a.). Havendo ainda a previsão para que a idade mínima seja revista de acordo com o aumento da expectativa de sobrevida da população.
Amigos leitores, a necessidade de reforma da previdência se dá por um fenômeno mundial, pois sua sistemática, no passado, foi projetada e pensada numa realidade etária muito diversa da atual, tanto em termos de natalidade quanto de expectativa de vida. Acredito que o melhor caminho para o amadurecimento da discussão sobre a Reforma seja o do diálogo com o congresso, com a sociedade, a apresentação de proposições e não apenas a oposição por oposição. É premente entender tudo que a permeia não só pelo prisma das despesas, mas também pelo da falta de ingresso de receitas e das questões tributárias que envolvem o assunto, com destaque para os benefícios fiscais, perdão de dívidas (REFIS) e o contencioso administrativo tributário, a cobrança dos grandes devedores (mais de um trilhão inscrito em dívida ativa). A solução para uma reforma justa e que atenda aos anseios de toda a sociedade passa por um caminho tortuoso e do qual cada um de nós, como cidadãos, temos condições de participar, cobrando a proatividade propositiva e o posicionamento de nossos representantes eleitos para o Congresso Nacional.
Afinal, reforma para que ou para quem?
MARCOS ASSUNÇÃO é auditor-fiscal da Receita Federal em Mato Grosso e da Diretoria de Assuntos Parlamentares do Sindifisco Nacional.
Fonte: Midia News