Reforma da Previdência deve incluir debate sobre isenções (Jornal do Commercio-PE)
Além de idade mínima e tempo de contribuição, incentivos concedidos a instituições também precisam ser discutidos
As reações à proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo no mês passado trouxeram à luz um debate relevante e que vai além da idade e tempo de contribuição necessários para se aposentar . Ao longo de seus mais de 90 anos, o sistema previdenciário brasileiro foi afetado por distorções, aumento da expectativa de vida e isenções concedidas a alguns segmentos. E é e sobre esse último fator que os holofotes se voltaram recentemente. A reforma é fundamental para o País, mas a não inclusão de militares, instituições filantrópicas, igrejas e clubes de futebol, por exemplo, na proposta traz o questionamento: por que exigir que alguns trabalhem por mais tempo enquanto outros terão seus privilégios mantidos?
Segundo a Receita Federal, em 2015, o conjunto de renúncias tributárias, incluindo a previdenciária, totalizou R$ 267,3 bilhões. À frente do debate está o deputado federal Arthur Maia (PPS/BA), relator da proposta na Câmara. Apesar de o texto só começar a ser analisado após o fim do recesso parlamentar, em fevereiro, ele já afirmou que é a favor de mexer nas isenções previdenciárias. “A ideia é mudar a base de arrecadação. Não se pode fazer gentileza com o chapéu do trabalhador”, critica Maia.
Ele defende que grandes instituições filantrópicas, como as universidades católicas, por exemplo, contribuam como empresas privadas comuns. “A mensalidade do estudante não é mais barata por ser uma instituição filantrópica e os funcionários, quando se aposentam, recebem o valor devido do mesmo jeito”, argumenta o parlamentar.
Relator da reforma na Câmara, Arthur Maia, defende mudanças nas isenções (Foto: Divulgação/ Câmara)
No caso das empresas, para não prejudicar o estímulo à produção – necessário para a retomada da economia -, o parlamentar acredita que é possível que a diferença de tributos gerada com a retirada da isenção seja dada de desconto pelo governo em outros impostos.
As ideias do deputado são rebatidas pelo advogado especialista em direito previdenciário Paulo Perazzo. Ele defende que o governo não deve se preocupar mais com a arrecadação do que com as despesas previdenciárias. “Essas instituições de ensino não visam o lucro, o que ganham é reinvestido na própria universidade. Vivemos em um País que ainda gasta muito pouco com pesquisa, na formação intelectual. Se apertarem o ganho dessas instituições, vamos enfraquecer a educação”, ressalta Perazzo.
O advogado também acredita que o esporte sairia prejudicado no caso da retirada das isenções, assim como a economia de uma maneira geral. “Se aumentarmos a base de arrecadação vamos ter um País cada vez mais caro. Antes disso é preciso acabar com os desequilíbrios no pagamento, como acontece com as aposentadorias precoces e os privilégios dos servidores públicos federais, por exemplo”, critica Perazzo.
O único ponto que o advogado diz não ter formado uma opinião é a isenção concedida às igrejas. E é justamente um dos elementos que mais devem aquecer o debate no Congresso, cuja bancada evangélica foi determinante para que o atual governo chegasse ao poder.
As instituições religiosas não são isentas da contribuição previdenciária ao contratar um funcionário, mas o mesmo não acontece em relação a pastores, padres e outros sacerdotes, já que o que o pagamento que recebem não é oficialmente considerado um salário.
“Há resistência para discutir a retirada de isenções, mas é imoral discutir a reforma sem tocar nesses assuntos”, acredita a presidente do Instituto Brasileiro do Direito da Previdência (IBDP), Jane Berwanger. Ela é a favor da retirada das isenções de instituições filantrópicas, mas levando-se em consideração cada segmento para que não haja grandes impactos sociais, como aconteceria em hospitais de Santa Casa, por exemplo.
Jane Berwanger é enfática ao afirmar que haverá perdas de qualquer forma, mas diante de uma conta que não fecha, será preciso escolher entre quem ganha e quem perde. “É uma escolha trágica. Mas para que manter privilégios se municípios inteiros, principalmente do Norte e Nordeste, dependem basicamente das rendas pagas pela Previdência? A ideia é manter um País competitivo para quem?”, questiona.
Além de reavaliar as isenções previdenciárias já concedidas, a intenção do relator da reforma no Congresso, deputado Arthur Maia (PPS/BA), é impedir que novos benefícios sejam concedidos e apurar de quanto é, de fato, o rombo na conta dos trabalhadores. Segundo o Ministério da Fazenda, esse valor deve ficar em R$ 149,2 bilhões em 2016 e R$ 181,2 bilhões até o fim deste ano, somas que são contestadas por entidades trabalhistas.
“Diferentemente de outras isenções, como aconteceu com o IPI no governo Dilma Rousseff, por exemplo, as concedidas às contribuições previdenciárias não são por tempo determinado, duram a vida toda”, critica Maia. Ele acrescenta que, a partir do momento em que novos governos incluem novos segmentos na lista dos isentos, maior fica o rombo.
Segundo a última publicação da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP) sobre o assunto – chamada Análise da Seguridade Social 2015 -, há uma diferença gritante entre o cálculo da seguridade social (que engloba Previdência, assistência social e saúde) feito de acordo com o que é determinado pela Constituição e o que acontece de fato.
Pela primeira conta, o saldo estaria positivo em R$ 11,3 bilhões. Segundo o relatório, no entanto, entram despesas como pagamentos dos planos de saúde dos servidores públicos e com o auxílio alimentação, que não deveriam ir para a conta da seguridade social, já que são encargos patronais. Diante desses “extras”, é gerado um déficit de R$ 171,3 bilhões.
“É preciso uma reforma no sentido de cortar despesas. Também é necessário que as pessoas se aposentem mais tarde. Acho que 65 anos é sim muito radical, mas é preciso elevar essa idade”, defende o advogado especialista em direito previdenciário, Paulo Perazzo. Ele defende a revisão desses gastos extras da conta da Previdência, as chamadas distorções que contribuem para o desequilíbrio das contas.
Fonte: Jornal do Commercio on-line – PE, em 1º/01/2017.