Reestruturação tributária e o preço dos combustíveis
Onde vamos parar? Será que o Brasil saiu do controle?
Os caminhoneiros acusam o que já era evidente há muito tempo. A submissão dos preços dos combustíveis às flutuações internacionais pode até ser um bom negócio para os investidores estrangeiros e para os acionistas da Petrobras, mas, com certeza, é péssimo negócio para a economia nacional. Os combustíveis não são qualquer mercadoria, são o motor que faz funcionar praticamente tudo no Brasil.
Abrir mão do refino do petróleo bruto para exportá-lo, e importar combustíveis, é abdicar de uma parte importante da soberania nacional, além de uma clara medida de desindustrialização do País, numa área absolutamente estratégica para o desenvolvimento. No entanto, tanto os atores envolvidos nesta mobilização quanto a mídia brasileira só têm olhos os tributos.
Evidente que a carga tributária que incide sobre o consumo, afetando, inclusive os preços dos combustíveis, é muito alta. Ainda que o estopim desta crise tenha sido a nova política de preços adotada pela Petrobras, as soluções aventadas restringem-se à redução dos tributos.
O governo prometeu eliminar o PIS e a COFINS dos preços do diesel. São mais de R$ 10 bilhões de desoneração, ou seja, teremos menos R$ 10 bilhões para a seguridade social, pois estes são tributos vinculados à saúde pública, à assistência social e a previdência. Iludem-se os que acham que o governo perdeu. Quem perdeu foram os brasileiros, inclusive os caminhoneiros, ao trocar proteção social por combustíveis. Já estão falando em reduzir também o ICMS e aí o que já está faltando, vai faltar muito mais, como a educação e a segurança, por exemplo.
A simples redução dos tributos não resolve e talvez até agrave o problema, pois o que parece um ganho para alguns significará uma enorme perda para todos, com a redução do Estado, justamente naquilo em que o Estado é mais essencial, saúde, educação, assistência, previdência e segurança.
Não é demais alertar, antes que se diga que a carga tributária já é muito elevada, que tudo o que arrecadamos, com uma carga de 33% do PIB, são 2,8 mil dólares por ano por cidadão. Este valor corresponde a quase um quinto do que arrecada o Reino Unido, com carga semelhante a do Brasil, e um quarto do que arrecada o Japão, que tem carga tributária inferior. Portanto, o que temos não é Estado de mais. Ainda estamos longe das condições ideais de bem-estar, já alcançadas por aqueles países. Esta crise, no entanto, é uma boa oportunidade para promover uma profunda reestruturação da tributação brasileira.
Se, por um lado, o problema central da crise, muito bem esclarecido pelos petroleiros, está na política privada de preços de uma empresa que deveria ser pública, por outro, é evidente a necessidade de deslocar parte relevante da nossa carga tributária, do consumo para a renda e patrimônio, o que por si só, já promoveria uma substancial redução dos preços. Enquanto arrecadamos mais de 50% de nossos tributos dos preços dos produtos, a renda e o patrimônio respondem por menos de 25% do total, o que transforma nosso sistema tributário num instrumento de aprofundamento das desigualdades. Nos EUA, por exemplo, a tributação sobre o consumo participa com apenas 16% da carga tributária total, enquanto a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio responde por mais de 60%. O deslocamento da carga tributária do consumo para a renda e patrimônio significa onerar mais os mais ricos e menos os mais pobres, respeitando o princípio constitucional da capacidade contributiva.
Uma reestruturação do sistema tributário no sentido da progressividade já seria suficiente para desonerar os preços dos produtos, especialmente dos combustíveis, energia elétrica e alimentos. Na tributação da renda das pessoas físicas, que no Brasil representa apenas 2,4% do PIB, enquanto nos países da OCDE representa mais de 8,5%, é possível aumentar de duas a três vezes o valor atualmente arrecadado, simplesmente revogando a isenção concedida, em 1996, aos rendimentos de lucros e dividendos. Basta tratar todas as rendas com isonomia, como já se faz em praticamente todos os países do mundo, para conseguir ampliar a arrecadação em mais R$ 180 bilhões, o que é suficiente para promover uma ampla redução dos tributos incidentes sobre o consumo. Sem uma Reforma Tributária Solidária não há saída, nem para os caminhoneiros.
(*) Diretor Institucional do Instituto Justiça Fiscal.
Fonte: Instituto Justiça Fiscal