Previdência complementar do servidor público: por que as aves migram?

A migração é a forma que as aves, em revoada, encontram para buscar um lugar ideal, com melhores condições alimentares e climáticas. É um fenômeno voluntário, periódico e, acima de tudo, coletivo.

Diferentemente dos pássaros, cujo movimento é sazonal e por conveniência, a migração para os servidores públicos tem dia marcado: 28 de julho de 2018. Isso porque essa é a data-limite para esses trabalhadores decidirem se optam ou não pelo novo modelo de previdência complementar. Perguntará o servidor, qual rumo tomar? Nesse caso, não há aves migratórias para acompanhá-los até um lugar seguro, longe do frio do inverno.

Antes de 1998, o servidor entrava na revoada e sabia que encontraria um lugar ao sol, pois a decisão podia ficar nas mãos dos seus representantes sindicais e de parlamentares. Mas, 20 anos depois, acompanhar a revoada pode colocar em risco a própria sobrevivência e de sua família – a migração passou a ser uma escolha personalíssima.

O adiamento da votação da PEC nº 287/2016, a tão anunciada “reforma da Previdência”, criou mais uma dificuldade para o planejamento individual. Afinal, o servidor terá de trabalhar com uma incerteza de cenário futuro, pois deverá tomar a decisão de migrar ou não sem saber se haverá, de fato, a reforma da Previdência. Dependendo da resposta dada até 28 de julho de 2018, a “tranquilidade” financeira do funcionário poderá estar prejudicada.

Portanto, a decisão de migrar e aderir à previdência complementar do servidor público deve ser analisada individualmente, com base no seu histórico laboral, enquadramento jurídico previdenciário e em suas perspectivas sobre o futuro.

Nesse contexto, seguem algumas considerações para que o servidor tome a melhor decisão ou, no mínimo, tenha acesso a todas as variáveis.

Ao servidor que ingressou no serviço público civil da União até 4 de fevereiro de 2013, no Poder Executivo; até 7 de maio de 2013, no Poder Legislativo/Tribunal de Contas da União (TCU); e 14 de outubro de 2013, no Poder Judiciário/Ministério Público, e que ainda esteja na ativa, são oferecidos dois futuros previdenciários:

– O primeiro é ficar do jeito que está, garantindo os bônus e os ônus da sua regra atual de aposentadoria e de concessão de pensão (alterada em 2015), conjugando o binômio: integralidade (aposentadoria no valor de sua última remuneração) X paridade (garantia de reajuste da aposentadoria paritária com os ativos), mas com o risco de ser alcançado pela reforma da Previdência.

– O segundo é optar até 28 de julho pelo Regime de Previdência Complementar (RPC). Ele garante como remuneração o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje de R$ 5.645,80, e mais um benefício especial (BE), calculado com base nos valores recolhidos pelo servidor acima do teto da Previdência, até a data de opção para o ingresso no RPC. Esse montante varia em função do tempo de contribuições vertidas aos regimes próprios de Previdência Social, sendo que quanto maior o tempo de contribuição, maior o BE.

A migração para o RPC pode ser vantajosa para alguns servidores, considerando que os dois benefícios – remuneração no teto do INSS e benefício especial – são garantidos pelo Tesouro Nacional e corrigidos necessariamente pela inflação do ano anterior, assegurando a manutenção do poder de compra”

É importante lembrar que a migração provoca, de forma automática, a redução da quantia recolhida a título de contribuição previdenciária, tendo em vista que o percentual atualmente descontado (11%) deixará de incidir sobre a totalidade da remuneração: passará a ser aplicado até o limite do teto do RGPS. Assim, tal medida ocasiona um aumento indireto do valor líquido a ser recebido na remuneração até o momento da aposentadoria do trabalhador.

Note-se que a opção pelo RPC não indica, necessariamente, ingresso na Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP). São decisões distintas. Isso porque o servidor pode optar por migrar para o RPC e não aderir ao FUNPRESP ou por fazer adesão a outro plano privado, ou mesmo não aderir a nenhum plano. Assim, a migração para o RPC tem data definida, ao passo que o ingresso na FUNPRESP não – a decisão pode ser feita a qualquer momento.

Ao ingressar na FUNPRESP, o servidor deve tomar uma série de novas decisões, tão importantes quanto a de migrar ou não para o RPC, e abrir mão de se aposentar nos moldes das regras atuais – no limite de seu salário. Deve ficar claro para o trabalhador que o regime da FUNPRESP é de capitalização individual e de contribuição definida. Assim, sua renda dependerá, entre outras variáveis, da rentabilidade obtida em sua carteira de crédito e do perfil de investimento escolhido.

Em princípio, é interessante promover a migração para a FUNPRESP, pois a União, sendo sua empregadora, irá aportar com igual quantia o que o servidor verter para a fundação, limitado a 8,5% de seu salário de contribuição (isto é, aquilo que estiver acima do limite atual de R$ 5.645,80). Caso haja interesse de contribuir com percentual acima desse patamar, o trabalhador deve aplicar sem a contrapartida do patrocinador.

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Outro ponto a ser analisado antes de optar pela migração diz respeito à tributação, visto que no regime de Previdência Complementar, diferentemente do atual, há a possibilidade da dedução das contribuições previdenciárias referentes à FUNPRESP da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), limitada a 12% da renda tributável do contribuinte, o que refletirá em ganho financeiro imediato.

O servidor, via de regra, fará os depósitos até a data que atender os critérios de aposentação[1]. Isso porque, ao se aposentar pelo Regime Próprio de Previdência Social da União (RPPSU), ele alcançará os requisitos de elegibilidade para passar à inatividade laboral pela FUNPRESP. Esses depósitos mensais serão corrigidos conforme a rentabilidade financeira obtida pelo seu perfil de investimento, devendo ser sempre superior à inflação.

Importante ressaltar que somente parte do valor descontado é destinado à reserva acumulada do participante, uma vez que, do total arrecadado, uma parcela será remetida ao pagamento de taxa de carregamento e a outra, à manutenção do Fundo Coletivo de Benefícios Extraordinários, destinado à cobertura de benefícios não programados, como por exemplo aposentadoria por invalidez, pensão por morte e sobrevivência além da expectativa de vida.

É na fase de uso da reserva que o cenário se descortina e se torna mais complexo, pois, ao final de seu período de acumulação (início da aposentadoria), o servidor possui uma reserva matemática substancial em valores nominais. Mas ele deve lembrar: aquele valor monetário deverá durar até finalizar a sua expectativa de vida, isto é, até o servidor vir a óbito. Caso o funcionário público sobreviva após este período, o montante do benefício sofrerá uma redução.

Importante saber ainda que para estabelecer a quantia do provento, a FUNPRESP irá pegar a sua reserva matemática e dividir pela expectativa de vida em meses. Desse modo, o servidor saberá o valor em cotas de R$ 1 de seu provento inicial bruto de aposentação. A reserva matemática remanescente ainda é aplicada no mercado financeiro, conforme o perfil de investimento escolhido. Assim, após o pagamento das 13 primeiras parcelas (12 salários e um 13º), a FUNPRESP deverá fazer o ajuste do provento, dividindo o saldo de sua reserva matemática pelo que resta de expectativa de vida.

O novo provento manterá a quantidade de cotas iniciais. Todavia, o valor da cota varia de acordo com a rentabilidade dos investimentos realizados. Isso acontecerá sucessivamente, ano após ano, até atingir a expectativa de vida preestabelecida, quando de sua aposentação”

Portanto, os participantes da FUNPRESP devem estar alertas para acompanhar eventuais ingerências políticas que prejudiquem os planos de previdência fechada, pois os seus proventos por parte da previdência privada serão variáveis a cada exercício financeiro, não havendo compromisso em manter o valor nominal do benefício por toda a vida de aposentação.

Os cenários apresentados são meramente informativos, cujo objetivo consiste em oferecer um conjunto de aspectos a serem analisados para a tomada de decisão. Assim, é imprescindível que a avaliação seja individualizada, considerando as simulações matemáticas de renda futura, bem como prós e contras de uma migração, com base em variáveis econômicas e no estilo de vida do servidor.

As aves continuarão a migrar, a pergunta que fica é: devo ou não acompanhar a revoada?


[1] O servidor pode optar por um período maior para usufruir do benefício, mas terá de lembrar que, ao se aposentar pelo RPPS, receberá o teto do RGPS + o benefício especial e ainda terá de arcar com os compromissos de carreamento à FUNPRESP, sem a cota-parte da União, a não ser que ele também prorrogue sua aposentadoria na União. Como nós dissemos, é uma opção/decisão pessoal.

* Thais Maria Riedel de Resende Zuba é advogada, professora e mestre em direito previdenciário. 

* Luiz Roberto Pires Domingues Junior é engenheiro, especialista em saúde pública, auditor  da vigilância sanitária e ex-coordenador geral de Seguridade Social do Ministério do Planejamento

Fonte:  Metrópoles

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