Plano de ação eficaz reduziu reflexos sobre as exportações

Há duas semanas, o Brasil acordava assustado com as revelações de uma operação da Polícia Federal que não tem prazo para ser esquecida. Era a Carne Fraca, deflagrada nas primeiras horas da manhã do dia 17 de março e que, mesmo em tempos de Lava Jato, impressionava pela envergadura – e, sobretudo, pelas suspeitas que levantava sobre a qualidade das carnes produzidas no país.

Governo e iniciativa privada reagiram como puderam às repercussões negativas que começaram a circular na mídia às 07h04. Um “comitê de crise” foi instalado em Brasília e as empresas citadas na operação, entre as quais JBS e BRF, investiram pesado em publicidade para defender a integridade de seus produtos. Os danos estão sendo contabilizados e vai levar bastante tempo para serem superados. Mas chamam a atenção os resultados positivos obtidos no front externo.

Como era de se esperar, países importadores impuseram embargos às carnes brasileiras, mas não foram todos, e a maior parte das barreiras foi parcial e já foi retirada. O fluxo das exportações foi afetado, mas a tendência é que, gradualmente, volte ao normal – desde que a eficiência político-diplomática observada até agora seja acompanhada por uma ágil e detalhada prestação de informações técnicas. É o que cobram China e União Europeia, grandes mercados do país. Ou seja, o trabalho está apenas começando.

Foi a maior operação da história da Polícia Federal. Mais de 1,1 mil policiais cumpriam 309 mandatos em seis Estados do país, que resultaram em 27 prisões preventivas, 11 prisões temporárias, 77 conduções coercitivas e 194 ações de busca e apreensão. Suas conclusões iniciais, apresentadas ao longo daquele dia 17, eram indigestas. A PF sinalizava que, graças a “relações espúrias” entre fiscais federais agropecuários e funcionários de frigoríficos, marcadas por influência política e propinas, a qualidade das carnes que chegavam à mesa de brasileiros – e estrangeiros – estava comprometida.

A PF atirou no que viu e prestou, segundo todas as fontes consultadas pelo Valor, um serviço importante. Desbaratou um esquema que volta e meia é alvo de sindicâncias de órgãos do governo – sem maiores consequências – e que, de fato, muitas vezes resulta na venda de produtos estragados, blitze de Vigilâncias Sanitárias e problemas à saúde.

Mas o tiro também acertou uma das cadeias produtivas mais eficientes do mundo, ameaçou centenas de milhares de empregos, manchou a imagem do Brasil no exterior e prejudicou um fluxo comercial que, no ano passado, gerou para o país quase US$ 14 bilhões em exportações em carnes bovina, de frango e suína.

Importadores como a China e a União Europeia querem que o Brasil acelere o envio de todas as explicações técnicas

Escalado para ser o porta-voz da crise, o ministro Blairo Maggi, que no dia 17 estava em Cuiabá (MT), onde fica a sede da empresa de sua família – a Amaggi – para um evento com produtores, cancelou a licença de dez dias que iria tirar “por razões pessoais” e liderou o socorro, que teve como prioridade tranquilizar a população sobre a qualidade dos produtos que consome. Segundo ele, os criminosos eram uma minoria e os casos apurados eram pontuais, a maior parte envolvendo empresas de pequeno porte.

Líderes globais, JBS e BRF não contrataram reforço extra para reagir. Confiaram em estruturas de comunicação e marketing e partiram em defesa da qualidade de seus produtos, enquanto viam suas ações derreterem na BM&FBovespa. Na era dos “memes” e das desinformações que circulam na internet, num primeiro momento foi insuficiente. Mas foi cirúrgica a intervenção do governo para estancar a sangria no comércio exterior.

O bisturi foi passado às mãos de Blairo. Os trabalhos começaram na própria sexta-feira, 17. Às 11h25 daquele dia, após explicar a situação ao presidente Michel Temer, Blairo afirmou ao Valor que iria afastar todos os fiscais envolvidos. Enquanto o incêndio doméstico era combatido com a ajuda do secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, as primeiras ações concretas para debelar o desgaste no exterior foram definidas pelo Palácio do Planalto.

No mesmo dia 17, o presidente Michel Temer anunciou que duas reuniões seriam realizadas no domingo, dia 19, para que o contra-ataque tivesse início. Temer pediu que a primeira reunião, com associações de exportadores de carnes e a direção da Polícia Federal, começasse às 14 horas. E negou, com “delicadeza”, quando um assessor próximo, sem entender a gravidade da situação, pediu para adiá-la para às 15 horas, porque tinha um almoço com a família.

Havia muito trabalho a ser feito até lá, e técnicos das secretarias de Relações Internacionais e de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura viraram as madrugadas de sexta-feira para sábado e de sábado para domingo preparando notas em respostas aos questionamentos que não paravam de chegar de importadores como Rússia, Estados Unidos, China e União Europeia. Em Brasília, um dos diplomatas mais aflitos com a situação era João Cravinho, embaixador da UE, bloco conhecido pela pressão protecionista de membros como França e Irlanda.

Temer tinha uma carta na manga para domingo, que seria revelada à imprensa depois da segunda reunião do dia, que começou logo depois do embate entre os exportadores e a PF – que, sob pesadas críticas do governo e da iniciativa privada em função da “espetacularização” da Operação Carne Fraca, indicou que muitas outras denúncias ainda estavam sendo investigadas.

Participaram do segundo encontro mais de 40 embaixadores e diplomatas de países importadores de carnes brasileiras. E, no pronunciamento que fez depois, Temer convidou todos os presentes para jantar em uma churrascaria em Brasília. Vinte e sete deles aceitaram, e às 19h44 daquele domingo o site do Valor informava que o governo ainda não tinha recebido qualquer comunicado de embargo às carne do país.

Mesmo assim o governo sabia que as barreiras começariam a ser anunciadas no dia seguinte. Mas o comitê da crise avaliou que os resultados da estratégia adotada ao longo do fim de semana foram positivos. Do lado da iniciativa privada, o ex-ministro Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que estava preocupado na sexta-feira – “estamos tomando uma goleada”, disse em Montevidéu, no Uruguai, onde participava de um seminário sobre gripe aviária -, afirmou ao Valor que também aprovou a estratégia.

Como previsto, as travas começaram a surgir na segunda-feira, dia 20. Mas como haviam sinalizado os embaixadores e diplomatas que estiveram com Temer na véspera, elas foram mais brandas do que sugeria o estardalhaço da sexta anterior. Foi então criado um grupo de WhattsApp incluindo os embaixadores dos países importadores.

Em uma casa (Itamaraty) onde comunicações importantes costumam transitar por telegramas diplomáticos, a criação de um grupo online foi um mecanismo inovador, aprovado para uma troca rápida de informações. Tanto que outros dois grupos foram criados na sequência – um apenas com diplomatas do núcleo de coordenação do Itamaraty e outro para interação entre secretários e técnicos do Ministério da Agricultura, do Itamaraty, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) e do Palácio do Planalto.

Na terça-feira, dia 21, por orientação do chanceler Aloysio Nunes e do secretário-geral Marcos Galvão, o Itamaraty instalou um “gabinete de crise” para trocar estratégias e informações com o Planalto e com a Agricultura. E o Itamaraty disparou 850 comunicados para todos os postos diplomáticos do Brasil no exterior, além de determinar que os embaixadores tivessem uma linha de ação proativa, visando manter e reaver mercados.

Logo em um primeiro momento, um dos pontos que ficaram claros é que o Brasil teria de se posicionar sobre o caso na Organização Mundial do Comércio (OMC). “O que vai nos salvar é a transparência. Somos o maior exportador mundial de proteínas animais, temos que explicar logo o que estamos fazendo para frear essa situação”, comentou um diplomata.

Como o Ministério da Agricultura já havia preparado uma extensa nota técnica sobre as medidas que vinham sendo adotadas, esse documento foi enviado a Genebra, onde recebeu alguns toques diplomáticos. Na quarta-feira cedo, a correria dos diplomatas brasileiros foi para a OMC tornar imediatamente esse texto um documento oficial, com numeração, para ser distribuído antes da reunião periódica do Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), com especialistas do mundo inteiro. A ministra-conselheira Márcia Donner Abreu se preparava para ler o documento, às 15h, na abertura da reunião, quando os diplomatas foram informados de que a OMC tinha distribuído a papelada pouco antes a todas as delegações.

A diplomata leu o documento enfatizando que os problemas apurados no Brasil estavam relacionados à corrupção, não à qualidade da carne. E, ao contrário do que se esperava, nenhum dos outros 163 membros da OMC levantou a bandeirinha para fazer alguma pergunta ou observação. O texto circulou imediatamente nas capitais desses países. No dia seguinte, em Bruxelas, as ameaças continuavam no ar, mas sem restrições adicionais.

O documento serviu também para uma ação mais incisiva junto à imprensa em diferentes países. Na Bulgária, um jornal online de boa audiência, “Novinite”, publicou o documento integralmente em inglês e em búlgaro. De maneira geral, a cobertura da mídia estrangeira passou a ser mais equilibrada.

Apesar de todos esses sinais, a pressão continuou grande. Na quinta-feira, dia 23, após uma reuniões com autoridades chinesas, o embaixador do Brasil em Pequim, Marcos Caramuru, passou mal. O diplomata teve que ser internado às pressas. Teve apendicite e foi operado. Mas no dia seguinte recebeu no quarto do hospital o chefe da equipe de vigilância sanitária chinesa responsável pelo Brasil.

Também foi destacada nesses esforços para mitigar os reflexos negativos sobre as exportações brasileiras a importância da rede de embaixadas do país e dos adidos agrícolas do Ministério da Agricultura nessas embaixadas e em missões comerciais. A integração da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) no Itamaraty também foi considerada importante para que rapidamente fossem acessados formadores de opiniões em diferentes países.

Mas, ainda que importadores importantes como China, Hong Kong, Chile e Egito, entre outros, já tenham anunciado o fim dos embargos que haviam imposto, ainda há ameaças e riscos no ar. Sobretudo na China, para onde o ministro Blairo Maggi já informou que viajará em maio, e na UE. Dois grandes importadores, que querem mais explicações técnicas sobre os problemas investigados no Brasil.

O embaixador do Brasil junto à UE, Everton Vargas, reuniu, nesta quarta-feira, altos funcionários europeus para um almoço, onde serviu carne brasileira. Lembrou que era para mostrar a confiança que tinha na qualidade do produto.

Fonte: Valor Econômico

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