Parada desde setembro na Câmara, PEC da Reforma administrativa perde força
A reforma administrativa do governo Jair Bolsonaro (PL), após idas e vindas, entrou em uma encruzilhada. Há grandes dúvidas se a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32, de 2020, apelidada de “antirreforma” ou “projeto Frankenstein”, ainda tem chances de vingar.
A matéria, que foi aprovada por comissão especial em setembro, está emperrada na Câmara dos Deputados desde então. O texto ainda precisa ser votado no plenário das duas Casas do Congresso Nacional, em dois turnos e ter o apoio de, pelo menos, três quintos dos parlamentares.
Ao longo da tramitação, o texto despertou insatisfações no Congresso, tanto na esquerda quanto na direita. Isso fez com que a oposição utilizasse estratégias, como a de atrasar as votações, para que o tempo hábil para aprovação da proposta já não fosse mais possível. “Nossas estratégias foram eficientes”, avalia o deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir).
Batista explica que ao menos quatro artifícios foram utilizados para burlar o andamento da reforma administrativa: o atraso; a demonstração de que o governo estaria tentando “vilanizar o servidor público”; o impedimento de que houvesse um “racha” nas opiniões dos servidores sobre o texto, por conta das diferenças de impacto para cada tipo de concurso; e por último, trazer para perto deputados que costumavam votar com o governo para que publicasse a sua aversão à PEC 32.
Além disso, o deputado destaca que o apoio dos servidores foi essencial no processo. “Foi muito importante, principalmente produzindo estudos que mostrassem que a PEC não resultava em economia para os cofres públicos, e que não atacava os principais problemas que ela precisava atacar”, diz. A ineficiência da proposta, segundo ele, era de que “não tratava dos privilégios, da desigualdade no serviço público e não aumentava a transparência”.
Mesmo assim, o deputado reconhece que ainda existe chance do texto voltar ao debate. “Ela pode ser colocada em votação a qualquer momento, e dependendo de como o Arthur Lira (presidente da Câmara) negociar com os deputados sobre as emendas, isso pode acontecer”, afirma. Mas ele acha que não há mais clima político. Com a chegada do período pré-eleitoral, as prioridades passam a ser outras: “Os deputados já viraram a chave para o período eleitoral”, diz Batista.
Paulo Uebel, ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, atualmente é empresário. Deixou o posto no governo Bolsonaro por não ver o avanço para aprovação da reforma. “Quando eu senti que a reforma não ia avançar, entendi que meu ciclo estava completo”, declara.
Ele defende que “a reforma das reformas” deveria ter sido prioridade desde o início do governo. “Não fazer a reforma atrasa muito o país. Faz com que o Brasil continue sendo um dos países com maior gasto no funcionalismo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, uma média de 14%. Economias em desenvolvimento gastam, normalmente, 8%”, argumenta.
O ex-secretário também argumenta que a reforma administrativa deveria ter ocorrido antes da tributária. “Antes de discutir a receita, é preciso discutir a despesa. Acho que a janela de oportunidade para aprovar reformas estruturais está se fechando”, avalia.
Para o deputado federal Marcelo Brum (PSL-RS), ainda há tempo para aprovar a reforma administrativa antes das eleições. “A reforma é de extrema importância para o Brasil. A proposta do presidente Bolsonaro é a mais justa, contempla a todos. Todos os brasileiros vão ganhar com isso”, afirma.
O ministro da economia, Paulo Guedes, afirmou recentemente que a reforma administrativa é uma tentativa de trazer “modernização, digitalização, maior produtividade e trabalhar com meritocracia” dentro do segmento.
Questão de justiça
Para o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, as mudanças citadas por Guedes só seriam contempladas com uma “reforma justa”. “A reforma cogitada pelo ministro não atinge os Três Poderes e o ônus recai, apenas, sobre os servidores do Executivo”, destaca.
A reforma administrativa do Executivo enviada ao Congresso pelo governo federal alterava 27 trechos da Constituição e acrescentava outros 87. Dentre os argumentos utilizados pelo governo para a realização de uma reforma estrutural está o montante destinado às despesas obrigatórias que, em 2021, correspondem a 93,7% do Orçamento federal. A folha de pagamento dos servidores públicos é a segunda maior despesa obrigatória.
Castello Branco concorda que uma reforma administrativa deve ser feita, mas alerta para alguns problemas que a proposta não resolve. “A reforma administrativa que o Brasil precisa deveria reduzir privilégios existentes não só no Executivo, mas também no Legislativo e no Judiciário, a começar pelos supersalários”, defende o economista. Ele ainda destaca que os privilégios do Judiciário praticamente não foram afetados pela proposta que está no Congresso.
A PEC 32 ainda sugere mudanças no tipo de vínculo empregatício. O deputado Israel Batista avalia que, com isso, “a real intenção do governo era que o servidor pudesse ser contratado por processo de seleção simplificada, enfraquecendo o vínculo empregatício entre servidor e estado”. Tal característica mudaria as relações de poder. “No momento em que o servidor é concursado, ele tem obediência à lei. Com a reforma, ele teria que trabalhar com a vontade política momentânea. Servidores estáveis são os que têm mais condições de denunciar problemas de gestão”, argumenta.