País deixa de arrecadar R$ 196 bilhões com isenções de tributos aos mais ricos

Dos 34 países da OCDE, somente Estônia isenta lucro e dividendos de empresas a pessoas físicas

Falar de sistema tributário no Brasil é abrir diversas (e acaloradas) janelas de discussão. Quem paga, claro, geralmente reclama. Afinal, o retorno raramente está à altura do desembolso. Mas uma coisa é certa: o sistema de arrecadação de tributos no País está repleto de distorções e precisa de reforma.

A lógica nacional está centrada no consumo e na folha de salários. Alíquotas mais brandas de impostos sobre rendimentos, patrimônio, herança e ganhos de capital favorecem a concentração de renda de Norte a Sul.

Na isenção de lucros e dividendos a pessoas físicas, defendem alguns economistas, reside uma das grandes deformações tributárias, que implicam renúncia de bilhões em receitas para o governo.

O sistema clássico de tributação da renda prevê a mordida do Fisco no lucro da pessoa jurídica e, posteriormente, havendo distribuição de dividendos aos acionistas, também da pessoa física. No âmbito dos 34 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), somente a Estônia tributa o lucro apenas uma vez.

No Brasil, a isenção para a pessoa física foi instituída em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Até então, incidia uma alíquota linear de 15%.

No ano passado, a Receita Federal publicou pela primeira vez uma completa e detalhada compilação dos grandes números do Imposto de Renda Pessoa Física referentes a 2014 (ano-base 2013), um grande resumo das declarações por faixas de rendimento.

Nele, é possível observar que as 71 mil pessoas mais ricas do Brasil somaram quase R$ 196 bilhões isentos de IR. A maior parte (R$ 160 bilhões) tem origem em declarações de recebedores de lucros e dividendos.

“O mais justo seria tributar esses valores tal qual acontece com os salários, com alíquotas progressivas. Isso poderia gerar entre R$ 30 bilhões e R$ 70 bilhões de receita, dependendo da maneira como fosse tributado”, explica o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rodrigo Octávio Orair.

Seria o equivalente a quase um ajuste fiscal do qual o governo federal está correndo atrás. Juntamente com o pesquisador Sérgio Wulff Gobetti, também do Ipea, Orair foi um dos vencedores do 20º Prêmio do Tesouro Nacional, da Secretaria do Tesouro Nacional, em 2015, com um estudo baseado nos números da Receita, intitulado Progressividade tributária: a agenda esquecida.

Eles defendem que “a maior parte dos rendimentos do trabalho são tributados por alíquotas progressivas, mesmo quando sujeitos à tributação exclusiva na fonte. Ao passo que os rendimentos do capital concentram a parcela majoritária das isenções, como no caso dos lucros e dividendos. E, quando há tributação na fonte, ela ocorre por alíquotas lineares normalmente inferiores às médias das alíquotas progressivas. Como tradicionalmente o capital e suas rendas são mais concentrados do que as rendas do trabalho, esse viés tributário tende a favorecer os mais ricos”.

Orair também lembra do fenômeno da “pejotização”, em que o trabalhador exerce sua função como Pessoa Jurídica. Um prestador de serviço paga de 6% a 20% de IR. “Cria-se uma série de incentivos para se usufruir dessa isenção”, destaca.

“Dado que temos que fazer um ajuste fiscal e temos um País muito desigual, por que não ser este o momento de fazer o que os países desenvolvidos vêm fazendo, um ajuste que não onere tanto os de baixo?”, questiona.

No fim do ano passado, o governo sinalizou que a introdução de uma nova faixa na tabela do IR – com alíquota de 40% para os que ganham mais de R$ 100 mil por mês e isenção para salários até R$ 3,8 mil – renderia um ganho de R$ 80 bilhões. Mas a ideia enfrenta resistências.

O professor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), defende que é possível revogar a isenção de lucros e dividendos, mas é preciso que isso seja feito junto com uma revisão geral da sistemática do imposto de renda.

“Uma alteração isolada desestimulará mais investimentos e agravará ainda mais a crise econômica. Não adianta mudar a isenção sem mudar o modelo”, argumenta.

Sobre a resistência histórica do Congresso em corrigir as injustiças tributárias, o especialista é taxativo: “O Congresso é o espelho da sociedade brasileira. Um dos impostos mais justos que existem é o IPTU. Sempre que um prefeito tenta cobrá-lo direito, independentemente do partido, há uma grita geral, inclusive da própria imprensa”.

A respeito dos projetos de lei que criariam um imposto sobre grandes fortunas, tanto Afonso quanto Orair acreditam que seja mais válido no momento arrumar as distorções, antes de mais nada.

“Num País que cobra muito mal os impostos patrimoniais – basta dizer que o IPTU arrecada menos que o IPVA –, parece mais propaganda barata defender um novo e exótico imposto. Preferiria que se cobrasse de forma eficiente e decente o que até alguns países subdesenvolvidos fazem melhor que o Brasil”, diz o professor.

Um leão nada convencional – Confira alíquotas 

Carga tributária brasileira: cerca de 36% do PIB

Origem dos impostos recolhidos, nas três esferas

51,28%: consumo de bens e serviços

24,98%: folha de salários

18,10%: renda

3,93%: propriedade

Alíquotas máximas do imposto de renda

Brasil: 27,5%

Suécia: 56,7%

Alemanha: 45,0%

Estados Unidos: 39,6%

Alíquotas máximas sobre os dividendos

Brasil: isento

Dinamarca: 42,00%

França: 38,50%

Canadá: 31,70%

Estados Unidos: 21,20%

Turquia: 17,50%

Impostos sobre herança ao redor do mundo

Brasil: 3,86%

Reino Unido: 40,00%

França: 32,50%

Estados Unidos: 29,00%

Japão: 24,00%

Chile: 13,00%

Fonte: UOL

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