Painel dos BRICS aprofunda análises
África do Sul e Índia enfrentam grave desigualdade social
Mesmo com a redemocratização ocorrida há cerca de 25 anos, a África do Sul não conseguiu vencer a extrema pobreza e a forte desigualdade social. Essas foram algumas conclusões da professora Sansia Mimie Blackmore, da African Tax Institute/University of Pretoria, que participou nesta segunda-feira (5/5) do painel “Sistema Tributário dos BRICS” no Fórum Internacional Tributário (FIT), em São Paulo. “Estamos em uma situação complicada e frágil”, disse.
Em 1994, após o apartheid, o Congresso Nacional Africano herdou uma responsabilidade social gigantesca: desigualdade com alto coeficiente de Gini, pobreza, desemprego. Segundo Sansia, a partir daí foi feito um contrato social a fim de dar à população negra possibilidade de acesso a serviços de moradia, educação, saúde, eletricidade, saneamento básico e segurança alimentar. “Estou falando de 87% da população [59,6 milhões de pessoas]”, destacou. Era preciso equilibrar a economia e fazer a redistribuição de renda.
Para isso, a professora explicou que foram implementados vários planos de desenvolvimento [em 1996, 2005, 2010 e 2013], mudando as políticas com rapidez. Apesar disso, Sansia explica que os programas não eram coordenados, nem feitos com continuidade, o que impossibilitou avaliar o impacto deles. Paralelamente ocorreu a edição de legislação específica, como a Lei de Igualdade de Empregabilidade, a fim de fazer com que a força de trabalho representasse a composição demográfica; e outra destinada a promover a inclusão e a participação de todas as pessoas na economia, com o emponderamento da população negra do país.
O resultado desse trabalho, lamentou Sansia, não foi “tão abrangente quanto esperávamos”. Segundo ela, os planos e as leis mudaram pouco a posição das grandes massas, favoreceram a criação de uma elite muito rica e criaram uma incerteza política grande. Além disso, o desemprego é alto, atingindo 28% da população apta, e os índices de pobreza aumentaram.
O país instituiu programas sociais, com transferências mensais de recursos para a população mais pobre, que incluiu crianças, idosos e incapazes.
“Em 94 pagamos 2 milhões dessas bolsas; em 2018 foram 17,45 milhões”, disse sobre os 31% da população que precisa sobreviver com bolsa do governo. A bolsa para criança é de U$ 32 por mês, que funciona basicamente para segurança alimentar, explicou.
Sansia falou ainda da educação pública, com escolas para jovens de 7 a 15 anos e financiamento estudantil; da saúde, que atende 80% da população; e da administração pública, que hoje representa o grande entrave orçamentário com o crescimento substancial do número de empregados.
“Em fevereiro deste ano tivemos mudança na administração. Foi eleito o novo presidente, que substituiu Zuma. Na verdade, Zuma foi destituído do cargo sob pressão e acusações. Agora estão sendo calculados os custos de sua gestão e da estagnação econômica ocorrida desde a redemocratização”, concluiu.
Índia – O modelo tributário da Índia foi apresentado por Anidil Kizhakkinakath Ramakrishnan, da School of International Studies/Jawaharlal Nehru University. Segundo o especialista, o sistema apresenta inúmeras semelhanças com o do Brasil e brincou: “Em muitos momentos, parece que estamos competindo para saber qual é o país com maior desigualdade econômica e social”.
Recentemente, a Índia contou com uma grande reforma tributária, que instituiu um imposto indireto comum para seus 29 estados e sete territórios na União – o GST, imposto de bens e serviços. A expectativa é diminuir a corrupção e, consequentemente, beneficiar os mais pobres e facilitar a integração econômica entre os estados.
Atualmente, a Índia adota um modelo progressivo que, segundo Anidil, na prática apresenta grande regressividade. A composição da receita é composta em grande parte por impostos indiretos, assim como no Brasil. As grandes fortunas não são tão bem tributadas e o país não tem um modelo eficiente de fiscalização em relação à arrecadação. “Temos ainda muitas particularidades, por questões culturais, como podemos observar com a divisão das castas, distinção em relação às minorias religiosas e entre as próprias regiões do país”, explicou.
As receitas são recolhidas em três níveis – federal, estadual e municipal. O imposto de renda da pessoa física é recolhido pelo governo central, o imposto indireto, em sua grande maioria, é arrecadado pelo estado, e os municípios ficam com uma parcela muito reduzida nesta composição. “Isso causa uma briga histórica entre o governo central e o estadual, uma vez que as despesas de saúde e grande parte da educação são assumidas pelos estados”, disse.
“Temos considerável impacto dos governantes mais recentes nessa perpetuação da desigualdade e na própria economia de maneira geral. Trata-se de uma desigualdade assustadora, onde temos 10% da população mais rica com 55% da parcela de toda a receita, e onde 1% detém 22%. Acrescido a isto, temos grande evasão fiscal e isenções, que acabam beneficiando os mais ricos”, afirma. Além dessas questões políticas, o país enfrente graves problemas de evasão de divisas e de fraudes bancárias. “Recentemente, tivemos um crise bancária, decorrente de inúmeras e grandes fraudes no sistema, que impactou diretamente a economia da Índia”.
Segundo Anidil, o país tem desafios muito grandes em relação à justiça tributária e diminuição da desigualdade social. Elogiou a oportunidade de estar discutindo um tema tão relevante para os países em desenvolvimento e poder compartilhar suas experiências. O especialista terminou o painel, chamando a todos para uma grande reflexão. “Precisamos pensar a conexão entre a tributação, democracia e cidadania”, disse.
Fonte: ANFIP