Onde o governo erra na Previdência

A política não é uma disputa entre argumentos racionais, mas uma guerra de narrativas

Servidores romperam cordão de isolamento e tentaram invadir Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul para acompanhar votação da reforma da Previdência nesta terça-feira (28) (Foto: Ginez César/TV Morena)

Fica a cada dia mais improvável que o governo consiga aprovar ainda este ano sua reforma mínima da Previdência. A data inicialmente prevista para a primeira votação na Câmara, dia 6 de dezembro, já foi adiada uma semana, enquanto o presidente Michel Temer continua a tentar reunir os 308 votos necessários à aprovação.

As dificuldades de Temer são múltiplas. Não apenas o conflagrado PSDB se recusa a fechar questão em torno do tema, mas também outros partidos da base aliada: PR, PSD, PP, PTB, PSC, PRB ou Solidariedade. Nem mesmo o DEM, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se demonstra disposto a isso. Ninguém quer, às vésperas do ano eleitoral, associar seu nome a um tema impopular.

O governo cedeu onde pôde. Retirou da reforma inicial temas mais controversos, como mudanças nas aposentadorias rurais ou no Benefício de Prestação Continuada (BPC), dois programas de assistência social que jamais deveriam fazer parte das contas da Previdência.

As mudanças reduziram as economias previstas para os próximos dez anos de R$ 800 bilhões para algo como R$ 480 bilhões, de acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mas nada disso bastou para convencer os parlamentares.

Na tentativa de atrair apoio, o governo acenou com renúncias fiscais para o agronegócio, manutenção dos reajustes do funcionalismo em 2018, revisão das dívidas fiscais do comércio exterior e, agora, com um novo Refis para as micro e pequenas empresas. Ainda assim, os 308 votos necessários persistem como meta intangível.

Num ato de pura demagogia eleitoreira, o PSDB ainda exige manter os benefícios atuais aos funcionários que entraram na carreira até 2003. Isso reduziria a economia no decênio em mais R$ 109 bilhões. Economistas tucanos históricos como Edmar Bacha ou Elena Landau criticaram publicamente a atitude do partido.

O mercado financeiro começou ontem a viver uma ressaca, diante da perspectiva de não haver reforma este ano. A recuperação econômica, dependente do cumprimento do teto de gastos, ficará em xeque caso as contas da Previdência mantenham a trajetória atual de deterioração.

Tesouro Nacional divulgou ontem um relatório – mais um… – destinado a desmentir uma das mais disseminadas falácias a respeito da reforma, referendada até mesmo pela CPI da Previdência no Congresso: a noção estapafúrdia de que não existe déficit no setor e de que bastaria acabar com a Desvinculação de Recursos da União (DRU) para as contas previdenciárias voltarem ao azul.

Levando em conta os critérios adotados no Orçamento, que reúne na conta de Seguridade Social os números da Previdência, da Saúde e da Assistência Social, a situação é uma lástima. As despesas nas três áreas cresceram de R$ 338 bilhões para R$ 875 bilhões entre 2007 e 2016. As receitas, de R$ 306 bilhões para R$ 635 bilhões. Em dez anos, o déficit foi de R$ 32 bilhões para R$ 239 bilhões.

As simulações do governo sugerem que os gastos com Previdência e Assistência Social, estimados em 14,6% do PIB em 2018, seriam de 23,1% em 2060, caso não haja reforma alguma. A maior parte desse crescimento viria dos benefícios pagos pelo INSS (RGPS). Apenas para arcar com eles, o país teria de promover um aumento de 8,5% do PIB em sua carga tributária – ou cortes em outras áreas.

O relatório do Tesouro também desmente que a extinção da DRU traria os números para o azul. Embora a emenda constitucional que estabelece a DRU autorize desvincular até 30% da arrecadação com contribuições sociais, esse patamar foi de apenas 12,6% no ano passado, ou R$ 92 bilhões – o maior percentual em dez anos. Se não houvesse DRU entre 2007 e 2016, o resultado da Seguridade só teria sido positivo em 2007.

A maior deficiência do governo na batalha da Previdência não está na análise dos fatos. Está na estratégia política. Não adianta ter razão, nem tentar convencer o público com base em relatórios, estatísticas e argumentos racionais. Cada nova apresentação cheia de gráficos e números esbarra numa intransponível muralha ideológica.

A política é, na essência, não uma batalha racional, mas uma disputa entre narrativas. Temer, Meirelles e companhia foram incapazes de oferecer uma narrativa convincente, capaz de enfrentar a eterna lenga-lenga dos “direitos adquiridos” e a propaganda adversária, articulada por sindicatos, associações do funcionalismo e grupos de lobby interessados na manutenção de privilégios. Não conseguem convencer nem mesmo seus próprios aliados no Congresso Nacional.

Fonte:  G1

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