O governo jogou a toalha. Não é uma surpresa. Ninguém imaginava que a aprovação fosse provável em ano eleitoral
Não é uma surpresa. O governo jogou a toalha e praticamente reconheceu que não conseguirá aprovar este ano a reforma da Previdência. É o que se depreende das últimas declarações do presidente Michel Temer e do vice-líder do governo na Câmara, Rogério Rosso, que negociava ainda mais concessões ao funcionalismo público.
De acordo com Rosso, o governo não tem mais de 240 votos na Câmara, quando precisa de 308. Houve, no ano passado, momentos em que chegou a contar com 280. O apoio à reforma tem caído no Congresso.
Ninguém imaginava que, em ano eleitoral, os congressistas passassem a apoiar um tema tão impopular. Deram certo o lobby e a pressão do funcionalismo público. Deu certo a campanha baseada nas falácias disseminadas pela Anfip e corroboradas pelo vergonhoso relatório do senador Hélio José, aprovado pela CPI da Previdência. Confirmou-se a previsão pessimista que fiz em outubro passado.
O movimento contra a reforma culminou ontem com a manifestação ridícula de juízes em Brasília, defendendo privilégios como o absurdo auxílio-moradia a que todos os magistrados e procuradores têm direito graças a uma decisão ainda mais absurda do ministro Luiz Fux em 2014.
Nem os aclamados herois da Lava Jato, paladinos da moralidade na gestão pública, escapam. O juiz Marcelo Bretas foi à Justiça para garantir que a mulher, também juíza, pudesse receber o benefício, apesar de ambos morarem em apartamento próprio no Rio. O juiz Sérgio Moro acumula os R$ 4.378 no contracheque, mesmo sendo proprietário de imóvel em Curitiba desde 2002, noticia hoje o jornal Folha de S.Paulo.
O Judiciário é sem dúvida o setor do funcionalismo cujos privilégios mais custam ao setor público. Pelo menos 70% dos juízes recebem vencimentos acima do teto salarial estabelecido pela Constituição, graças a penduricalhos e verbas indenizatórias. Na aposentadoria, juízes e procuradores mantêm um sem-número de regalias.
São raríssimas as manifestações favoráveis à reforma previdenciária entre integrantes da Justiça e do Ministério Público. Quando o então procurador-geral Rodrigo Janot denunciou o presidente Michel Temer no ano passado, não foram poucas as especulações de que se tratava, na verdade, de um movimento político para deter a reforma.
As evidências contra Temer não foram suficientes para a Câmara aceitar as duas denúncias contra ele. Apesar de ter recebido o empresário Joesley Batista tarde da noite no Palácio Jaburu e de ter-lhe indicado um intermediário flagrado dias depois arrastando uma mala recheada com R$ 500 mil em propina, os deputados julgaram que os fatos não eram suficientes nem mesmo para abrir investigação.
Mas foram suficientes para que Temer gastasse todo seu capital político na tentativa de se safar. Na hora de aprovar a reforma da Previdência, não tinha sobrado mais nada. Mais perto da eleição, sem muita margem de manobra orçamentária, o jeito foi fazer concessão sobre concessão.
Deixaram-se de lado as mudanças nos programas de assistência social disfarçados de Previdência. Mudou-se a idade mínima de homens e mulheres. Criou-se uma escala de transição. Militares e professores foram agraciados com situações especiais. Tudo para facilitar a aprovação.
Como resultado, as economias previstas numa década caíram pela metade, de R$ 800 bilhões para R$ 400 bilhões – quase nada diante de gastos anuais que chegam perto do trilhão de reais. Mas pelo menos foi mantida a alma da reforma: unificar os regimes para servidores públicos e funcionários da iniciativa privada.
Pois, sem a aprovação, nem isso teremos. Continuaremos a ter duas classes de brasileiros. Embora a Constituição garanta que todos são iguais, há uma lei para o funcionalismo, outra para os demais.
Aqueles dependurados nas mamatas e os ideólogos que – por ignorância, má-fé ou simplesmente burrice – negam as leis mais básicas da economia não deixarão de celebrar. Mas a gravidade ainda está em vigor na natureza. Os corpos caem. Um dia a ficha cairá também.
A reforma se tornará inevitável no próximo governo. O economista Paulo Tafner diz que, em três anos, já será impossível fazê-la sem reduzir benefícios concedidos. Será então necessário algum tipo de autorização legal para retirar os famigerados “direitos adquiridos” em nome da emergência nacional nas contas públicas.
Foi o que aconteceu em Portugal e na Grécia, onde o valor de pensões e aposentadorias teve de ser reduzido. A alternativa, como demonstra o caso grego, é o governo simplesmente deixar de pagar. Será então hora de se voltar àqueles que hoje lutam com tanta energia contra a reforma e pela manutenção das regalias e dizer: bem feito!