Não! Não houve alteração na pena do crime de embriaguez ao volante!

Parabenizamos o avanço legislativo, mas deixamos aqui uma crítica e uma sugestão.

Nos dias que se seguiram à publicação da lei 13.546/17, publicada no Diário Oficial da União em 20/12/17, muitas foram as publicações em redes sociais alertando para uma suposta alteração do crime de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Entre os opinantes que comemoraram a publicação da mencionada lei, vários ressaltaram que (i) a pena para quem beber e dirigir passou para o mínimo de cinco e máximo de oito anos de reclusão; (ii) passou a ser inafiançável; (iii) não cabe mais suspensão condicional do processo e; (iv) que o início da pena se dará no regime inicial semiaberto, tendo em vista a suposta pena mínima de cinco anos.

Por sua vez, os contrários à alteração legislativa alertaram para a inconstitucionalidade da norma, eis que feriria o princípio da proporcionalidade, já que, a pena a ser aplicada a quem pratica um homicídio culposo do Código Penal (disparo acidental de arma de fogo, por exemplo) é de um a três anos de detenção. Logo, punir alguém por beber e dirigir, sem nenhum resultado danoso, a uma pena de cinco a oito anos, de fato, nos parece inconstitucional, por ferir o princípio da proporcionalidade.

No entanto, essas discussões iniciais apresentadas não têm qualquer validade, pois nenhuma alteração se deu ao art. 306 do CTB, mantendo-se inalterado o conhecido crime de embriaguez ao volante.

2. Das alterações promovidas pela lei 13.546/17 (vacatio legis de 120 dias – DOU 20.12.17)

Como alertado, a lei 13.546/17 não fez qualquer alteração ao crime tipificado no art. 306 do CTB (embriaguez ao volante). Assim, o art. 306 do CTB permanece com a redação que lhe foi dada pela lei 12.760/12:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Logo, não tendo o preceito secundário (pena) do art. 306 do CTB sofrido qualquer alteração, continua sendo possível: (i) à autoridade policial arbitrar fiança, eis que a pena máxima não ultrapassa quatro anos (art. 322, CPP); (ii) a suspensão condicional do processo, já que a pena mínima cominada não ultrapassa um ano (art. 89 da lei 9.099/95); (iii) em caso de condenação, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois tal benefício se dá quando a pena máxima aplicada for não superior a quatro anos e o crime não tiver sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (art. 44 do Código Penal); (iv) ainda, em caso de condenação, será possível o cumprimento da pena no regime aberto, desde que a pena se mantenha dentro do patamar máximo de quatro anos, não sendo o réu reincidente (art. 33, §2º, “c”, CP).

Esclarecida a confusão, resta apontar as importantes alterações da lei 13.546/17, que entrará em vigor 120 dias após sua publicação.

O legislador acrescentou o §4º ao art. 291 do CTB, inserto nas Disposições Gerais dos crimes de trânsito, com a seguinte redação: § 4º O juiz fixará a pena-base segundo as diretrizes previstas no art. 59 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime”.

Essa alteração diz respeito à fixação da pena-base, primeira fase da dosimetria da pena. A partir da entrada em vigor deste dispositivo, no momento da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal1, o juiz deverá considerar como preponderantes a culpabilidade do agente, as circunstâncias e as consequências do crime.

Em relação aos crimes em espécie, a lei 13.546/17 promoveu alterações significativas nos crimes de homicídio culposo (art. 302, CTB) e lesão corporal culposa (art. 303, CTB), na direção de veículo automotor:

Homicídio Culposo
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
(…)
§ 3º Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor
Lesão Corporal Culposa
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
(…)
§ 2º A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima.

Andou bem o legislador. Como se vê, atualmente as penas para quem praticar homicídio culposo ou lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, são brandas, permitindo, inclusive, que o agente obtenha imediato arbitramento de fiança pela autoridade policial, em qualquer um dos casos (morte ou lesão).

A partir da entrada em vigor da nova lei, em 120 dias a partir de sua publicação (20.12.17), tendo em vista as penas máximas (cinco e oito anos, respectivamente), já não será possível, nessas circunstâncias, o arbitramento de fiança pelo delegado de polícia. Nesses casos, a autoridade policial deverá lavrar o auto de prisão em flagrante e comunicá-la ao Judiciário para a realização da audiência de custódia, onde o magistrado poderá arbitrar a fiança, já que não se trata de crime hediondo.

No que diz respeito à suspensão condicional do processo, já não era possível em relação ao crime de homicídio culposo (art. 302, CTB) em razão da pena mínima cominada (superior a um ano). Em relação ao crime de lesão corporal culposa (art. 303, CTB) já não será mais possível, pois a pena mínima que é de seis meses, passará, após os 120 dias, para dois anos, portanto, superior a um ano (requisito objetivo do art. 89 da lei 9.099/95.

A criação das qualificadoras do homicídio culposo e da lesão corporal culposa, no CTB, é um grande passo no recrudescimento das normas para prevenção dos delitos de trânsito praticados por pessoas que insistem em fazer a perigosa combinação álcool/droga + direção.

A lacuna legislativa existente até então leva a uma sensação de impunidade e ausência de poder de intimidação. Em razão disso, e a constante pressão da sociedade e da mídia, parte do Judiciário começou a entender que o homicídio no trânsito, causado por alguém que tenha consumido álcool, deveria ser caracterizado como homicídio doloso.

Entretanto, como aponta o ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, essa é uma tendência perigosa:

Aparentemente em razão da insuficiência da resposta punitiva para os crimes de trânsito, que, invariavelmente, não importam em supressão da liberdade de seus autores, tem-se notado perigosa tendência de, mediante insólita interpretação de institutos que compõem a teoria do crime, forçar uma conclusão desajustada à realidade dos fatos. (REsp. 1.689.173 – SC (2017/0199915-2). Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz)

Não se pode concluir que alguém deverá responder por homicídio doloso ou lesão corporal dolosa no trânsito, pura e simplesmente, pelo fato de ter ingerido bebida alcóolica. O motorista pode ter ingerido bebida alcóolica, sem estar com seu sistema psicomotor alterado, e optar por fazer uma ultrapassagem forçada ou em faixa contínua, provocando um acidente. Nessa hipótese, por óbvio, estaremos diante de um homicídio culposo ou lesão corporal culposa. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já estava consolidada nesse sentido. Vejamos:

A embriaguez do agente condutor do automóvel, sem o acréscimo de outras peculiaridades que ultrapassem a violação do dever de cuidado objetivo, inerente ao tipo culposo, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual. Conquanto tal circunstância contribua para a análise do elemento anímico que move o agente, não se ajusta ao melhor direito presumir o consentimento do agente com o resultado danoso apenas porque, sem outra peculiaridade excedente ao seu agir ilícito, estaria sob efeito de bebida alcoólica ao colidir seu veículo contra o automóvel conduzido pela vítima. (REsp. 1.689.173 – SC (2017/0199915-2). Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz)

Logo, as alterações trazidas pela lei 13.546/17 cumprem, a um só tempo, dois objetivos: (i) corrigem a lacuna legislativa, deixando mais claras as hipóteses de homicídio culposo e lesão corporal culposa no trânsito, após ingestão de bebida alcóolica, vinculando um resultado mais gravoso quando o motorista tiver, em razão do álcool ou outra substância, com sua capacidade psicomotora alterada, sendo esta condição, e não a mera negligência, imprudência ou imperícia, que justifica uma pena maior ao infrator. Portanto, não bastará o teste do bafômetro para a incidência da qualificadora, sendo imprescindível a prova testemunhal e filmagens, principalmente equipando a polícia para que filmem o condutor quando atenderem às ocorrências.

Em relação à lesão corporal culposa, o legislador registra um outro avanço. Isto porque, quando falamos em lesão culposa no Código Penal, não diferenciamos em leve, grave ou gravíssima. Se a lesão for culposa, no CP (art. 129, §6º), a pena será de seis meses a um ano, independentemente da gradação da lesão (leve, grave ou gravíssima). Logo, pouco importa se a vítima sofreu hematomas, quebrou um braço ou ficou paraplégica, a pena será sempre a mesma, de seis meses a um ano de detenção. Até então, a mesma lógica era aplicada às lesões culposas no trânsito (art. 303, CTB).

Contudo, como se vê da redação do novo §2º do art. 303, se da lesão corporal culposa no trânsito, praticada por agente com capacidade psicomotora alterada em razão de embriaguez ou uso de outra substância, resultar lesão corporal grave ou gravíssima, a pena será de dois a cinco anos, enquanto a pena da lesão corporal culposa leve permanecerá no patamar de seis meses a dois anos, mesmo que praticado por indivíduo com capacidade psicomotora alterada pelo álcool ou outra substância.

Por último, o legislador alterou o caput do art. 308 do CTB. Vejamos o antes e o depois:

O legislador, no art. 308 do CTB, corrigiu uma lacuna legal que deixava como atípica a conduta de quem participava de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, em via pública, sem autorização. A partir da entrada em vigor da norma, tal conduta também será considerada crime, punida com pena de detenção de seis meses a três anos.

3. Conclusão

Como visto, o crime de embriaguez ao volante (art. 306, CTB), grande conquista da Lei Seca, não foi alcançado pelas modificações constantes da lei 13.546/17. As penas, bem como os institutos aplicados permanecem os mesmos.

Contudo, em relação aos crimes de homicídio culposo (art. 302, CTB) e lesão corporal culposa (art. 303, CTB), passaremos a ter a inclusão das qualificadoras, no primeiro, estabelecendo pena de cinco a oito anos e, no segundo, de dois a cinco anos, quando o agente causador da morte ou da lesão corporal estiver com sua capacidade psicomotora alterada em razão do álcool ou de outra substância psicoativa que lhe cause dependência.

Nesses casos, se tornará impossível o arbitramento de fiança por Delegado de Polícia, pelo fato de que as penas máximas ultrapassam 4 anos. A partir da data de vigência das referidas alterações legais, nessas duas hipóteses, a fiança só poderá ser arbitrada pelo Juiz, em audiência de custódia (ou outro momento, caso não seja feito na audiência), conforme estabelecido em lei.

De igual forma, exclui-se também a possibilidade de suspensão condicional do processo para o crime de lesão corporal culposa (art. 303, CTB), este instituto que atualmente é possível, haja vista a pena mínima tipificada em seis meses de detenção, no entanto, não mais o será, eis que referida pena mínima passará a ser de dois anos de reclusão. Com relação ao crime de homicídio culposo, este, atualmente, já não possibilita a concessão deste benefício.

Parabenizamos o avanço legislativo, mas deixamos aqui uma crítica e uma sugestão:

Crítica: Não há justificativa para que tais normas, sobretudo pela natureza jurídica delas, apenas entrem em vigor 120 dias após sua publicação. Na verdade, em nosso entendimento, nem haveria necessidade de vacatio legis. Porém, em se julgando necessário, não deveria ser tão longo assim.

Sugestão: Estender a lógica da gradação da lesão corporal culposa no trânsito (leve, grave ou gravíssima), quando praticado com capacidade psicomotora alterada em razão do uso do álcool ou outra substância psicoativa que lhe cause dependência, para as demais hipóteses de lesões corporais (no Código de Trânsito Brasileiro e no Código Penal), eis que não se justifica punir com o mesmo “abrandamento” a conduta negligente, imprudente ou imperita de alguém que causa um hematoma com a mesma pena daquele que provoca a cegueira ou a paraplegia de outrem.

Por fim, deve-se destacar que, por serem normas de direito penal material mais gravosas, não poderão incidir sobre os fatos que ocorrerem antes de sua entrada em vigor, mesmo que julgados já sob sua vigência, em respeito ao princípio da irretroativa da lei penal maléfica.

______________

1 Culpabilidade; Antecedentes; Conduta social; Personalidade do agente, Motivos, Circunstâncias do crime; Consequências do crime; Comportamento da vítima.

______________

*Igor Assunção é advogado criminalista, sócio da MoselloLima Advocacia e professor de Direito Penal da Unesulbahia – Faculdades Integradas.

Fonte:  Migalhas

Fale conosco!
X