MP que permitiu redução de jornada conseguiu conter demissões, avalia Ipea
Um estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugere um cenário menos desolador no mercado de trabalho, afetado fortemente pela pandemia da covid-19. Segundo a pesquisa A evolução do emprego setorial em 2020: quão heterogêneo foi o tombo entre os setores?, o atual cenário indica que o setor produtivo está conseguindo manter os empregos formais. Os dados consolidados apontam para uma estabilização no número de demissões de trabalhadores formais, na comparação entre 2020 e 2019. Esse seria um sinal positivo no meio da crise, apesar da redução de contratações no período de pandemia.
“Propomos uma inversão de valores. Há evidências para o Brasil de que a movimentação cíclica do emprego formal é ditada pelas contratações”, observa Carlos Henrique Corseuil, um dos autores do estudo do Ipea. Ele ressalta que, enquanto as novas contratações, em abril e maio do ano passado, beneficiaram 1,374 milhão e 1,347 milhão de profissionais, respectivamente, no mesmo período em 2020, pelas dificuldades da crise sanitária e do isolamento social, as oportunidades de contratação despencaram para 618 mil pessoas, em abril, e 703 mil, em maio.
Os desligamentos, no entanto, ficaram praticamente inalterados. Em abril do ano passado, 1,245 milhão de trabalhadores foram dispensados. Em maio, 1,315 milhão perderam o emprego. Em 2020, abril registrou um número maior, de 1,521 milhão de demitidos. Mas a quantidade de dispensas baixou, em maio, para 1,035 milhão. “Por isso, não se pode falar de onda de demissões de empregados com carteira assinada na pandemia. A flexibilização dos contratos funcionou”, conclui Corseuil.
Uma possível leitura para esse resultado de estabilidade do emprego com carteira assinada, na visão dos pesquisadores do Ipea, são as medidas do governo, para barrar os efeitos negativos da pandemia, especialmente a Medida Provisória 936/2020, que permite redução de jornada e salário e suspensão de contratos de trabalho. O presidente anunciou ontem a sanção da MP 936 (leia matéria abaixo).
Segundo o estudo do Ipea, quase todos os setores registram taxas de admissão em abril e maio de 2020 bastante inferiores às registradas em 2019, em geral menos da metade. Sofreram mais durante a pandemia os setores de alimentação e alojamento, em termos relativos, seguidos pelo setor de construção. Já os setores de administração pública e de agricultura foram os menos impactados pela atual crise.
Na indústria, as admissões foram responsáveis por um aumento de 2,93% no emprego, em março de 2019, e de 3,20%, em março de 2020. A partir daí, o padrão muda drasticamente, passando de um crescimento de 3,18% em 2019 para apenas 1,33% em 2020, em abril, e de 2,87% para 1,45% em maio, aponta o Ipea. No setor de construção, a taxa de admissão, que não foi afetada em março, sofre uma queda em torno de quatro pontos percentuais entre abril de 2019 e 2020. Queda semelhante foi registrada em serviços de alojamento e alimentação, cujas admissões em março de 2020 cresceram 4,19%, já abaixo de 2019, e apenas 0,74% e 0,88% em abril e maio de 2020.
Retomada
O estudo do Ipea ressalta, ainda, que os segmentos de comércio, reparação de veículos e indústria da transformação, por exemplo, contrataram, menos 200 mil e 100 mil trabalhadores, em abril e maio, frente a 2019, e diz que “a boa notícia é que, de forma geral, as admissões registradas em maio deste ano foram superiores às de abril, com exceção dos setores de educação, saúde, arte e cultura”. Apesar do cenário positivo, ele acha que é cedo para fazer previsão da retomada da economia. “Temos que esperar o fim do isolamento e a chegada do novo normal. Aparentemente, qualquer possibilidade de crescimento, deverá acontecer a partir de 2021”, assinalou o pesquisador.
Mais otimista, o economista Rodolfo Peres Torelly, ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do extinto Ministério do Trabalho, acredita em uma reação a partir de setembro. “Pelo menos um alívio virá nesse final de terceiro trimestre. Vários países estão voltando a funcionar e no Brasil, com muitas realidades diferentes, vemos queda na contaminação. Portanto, creio que, em setembro, assistiremos uma alta nas contratações”, destacou Torelly. Ele também elogiou o programa emergencial de manutenção do emprego e da renda. “Em 30 anos no ministério, nunca vi um projeto funcionar em tão pouco tempo para um número tão grande de beneficiários”, disse Torelly.
O estudo contempla setores como comércio, construção, serviços domésticos, administração pública, indústrias extrativas, educação, saúde, cultura, transporte, atividades imobiliárias, científicas e técnicas, agricultura e pecuária, além de alojamento e alimentação. Pelos dados da Pnad Contínua, no trimestre terminado em abril, a população ocupada no país diminuiu 3,1 milhões em comparação ao mesmo trimestre do ano passado.
Sancionada lei da redução salarial
O presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que permite a suspensão de contratos de trabalho e redução de salário e jornada. O presidente informou que sancionou o texto em sua conta do Twitter e não deu detalhes sobre possíveis vetos na lei, que ainda precisa ser publicada no Diário Oficial da União. A lei abre caminho para a prorrogação do programa, mas isso, porém, ainda depende de um decreto.
Nascida da Medida Provisória 936 e aprovada no Congresso, a lei cria mecanismos que autorizam a suspensão de contratos de trabalho e a redução de jornadas e salários até o fim do ano. Mas será o decreto a ser publicado que dará os termos dessa prorrogação. O governo deverá permitir, por mais dois meses, a suspensão de contratos e, por mais um mês, a redução de jornada e salários. Na primeira leva, a suspensão pode ser feita por dois meses; e a redução, por três meses. Na semana passada, o secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, disse que, logo depois da sanção da lei, o presidente editaria um decreto prevendo a prorrogação do programa.
Lançado em abril, o programa chamado de Benefício Emergencial prevê que o governo pague parte do salário suspenso ou reduzido, até o limite do seguro-desemprego (R$ 1.813). De acordo com o Ministério da Economia, 12 milhões de acordos foram celebrados dentro do programa.
Segundo Bianco, a prorrogação manterá a exigência de que os empregos sejam preservados pelo dobro do prazo do acordo. Quem suspender por mais dois meses o contrato de trabalho, por exemplo, terá de garantir estabilidade por quatro meses. Os empregadores que suspenderam os contratos por dois meses, que era o prazo máximo, têm de esperar a publicação do decreto para nova prorrogação. Outra alternativa é reduzir a jornada e o salário em até 70% por um mês, o que é permitido pela lei em vigor.
A MP 936 foi aprovada pelo Senado no dia 17 de junho e seguiu para sanção presidencial. O texto enviado em abril permitia a redução de jornada em 25%, 50% ou 70%, com um corte proporcional no salário, por até três meses. Com o novo decreto, o corte salarial deve ser prorrogado por mais um mês. Segundo o texto da MP, também era possível suspender o contrato por até dois meses. O decreto deve autorizar essa medida por mais um mês.