MP do Trilhão passa na Câmara e está pronta para votação no Senado

Medida provisória segue na contramão da Convenção do Clima e apesar das necessidades em educação, saúde, ambiente e ciência


MAURÍCIO TUFFANI,
Editor

Enquanto seu próprio ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), de pires na mão, pede o remanejamento de pelo menos R$ 1,6 bilhão da reserva de contingência do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2018 para garantir o andamento mínimo de projetos pesquisa estratégicos, o governo do presidente Michel Temer (PMDB) mexe os pauzinhos no Legislativo para aprovar, em favor de empresas de exploração do petróleo, a mais escandalosa renúncia fiscal de que se tem notícia na História.

Já aprovada na Câmara dos Deputados na calada da madrugada de quarta-feira (6), a medida  provisória 795/2017 – a famigerada MP do Trilhão – seguiu com surpreendente agilidade burocrática para o Senado, onde dois dias depois foi incluída na ordem do dia de ontem, segunda-feira (11), para votação pelo plenário, pois seu prazo final para aprovação se esgota na próxima.

A confiar no texto da própria MP, o governo se propõe a renunciar em 2018 a cerca de R$ 17 bilhões. Isso seria “apenas” mais que dez vezes o valor do remanejamento recomendado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), que foi proposto pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras 12 associações científicas e reiterado no relatório setorial de ciência, tecnologia e inovação da Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Alcance da isenção

No entanto, e o que faz jus ao infame apelido da MP, é que as consequências das isenções propostas pelo governo para as empresas exploradoras de petróleo iriam muito além dos termos de sua exposição de motivos e sua previsão de abdicar à arrecadação de R$ 17,033 bilhões em 2018, R$ 6,823 bilhões em 2019 e R$ 8,222 bilhões em 2020, o que corresponderia nesses três anos uma renúncia total de R$ 32,078 bilhões.

Como já havia destacado Direto da Ciência em novembro, uma avaliação técnica da Câmara dos Deputados foi atrás dos números que Meirelles não apresentou no documento que assinou para encaminhar ao Legislativo sua generosa proposta de isenção fiscal, amparada sob a alegação de dar segurança jurídica a empresas petrolíferas, promover investimentos dessas companhias e evitar novos impasses judiciais na cobrança de tributos (“Renúncia fiscal para petroleiras, apesar da crise em ciência, saúde, ensino e ambiente”).

Em setembro, os consultores legislativos Adilson Nunes de Lima e Marcelo Sobreiro Maciel, ambos da área de tributação da Câmara, elaboraram um relatório detalhadosobre a MP, debulhando todas as suas previsões. Em outubro, outro consultor, Paulo César Ribeiro Lima, especializado em recursos minerais, hídricos e energéticos, analisou as implicações práticas da proposta em termos dos valores do barril de petróleo, custos de produção, royalties envolvidos e de outras importâncias, inclusive as correspondentes incidências de impostos e taxas, como IRPJ, CSLL e outros.

A nota técnica de Ribeiro Lima também avaliou as implicações da MP em termos da carga tributária na produção de petróleo e sua comparação com as de outros países. E concluiu, apresentando números, que a participação governamental brasileira por barril de petróleo, da ordem de 56%, que já é uma das mais baixas do mundo – inferior inclusive às de países como EUA, Austrália, Venezuela –, cairia para 40%. (Clique aqui para ler a nota técnica em outra janela ou aba.)

Após concluir que “nos vários campos do Pré-Sal, a redução de receita tributária de IRPJ e CSLL poderia ser superior a R$ 1 trilhão”, Ribeiro Lima encerrou sua análise destacando:

Dessa forma, tanto a participação governamental direta quanto a participação governamental indireta, caracterizada por tributos, passariam a estar entre as mais baixas do mundo. Com a descoberta do Pré-Sal, esperava-se que a participação governamental fosse aumentar em vez de ser reduzida.
A Medida Provisória nº 795, de 2017, ao contrário das boas práticas internacionais, incentiva a importação de bens de alto valor agregado, em detrimento dos fornecedores locais. Incentiva até mesmo a importação de bens de baixo valor agregado.

Rasgando Kyoto e Paris

Na quinta-feira (7), enquanto processava aceleradamente a MP do Trilhão recebida da Câmara no dia anterior, o Senado aprovou o projeto de decreto legislativo que ratifica as emendas ao Protocolo de Kyoto. Em outras palavras, os senadores enviaram a Temer, para promulgação, a formalização da adesão do Brasil ao segundo período de compromissos do acordo para redução de emissões de gases de efeito estufa, que segue até o fim de 2020.

Prestes a ser votada pela mesma Casa para ser convertida em lei, a MP do Trilhão significa justamente rasgar o compromisso estabelecido não só pelo Protocolo de Kyoto, mas também pelo Acordo de Paris.

Como afirmaram recentemente Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Nicole Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina, e Carlos Rittl é secretário executivo do Observatório do Clima, em seu artigo “MP 705: Um trilhão de razões para ser contra”, no Blog do Planeta, da Época,

O pré-sal contém cerca de 75 bilhões de toneladas de gás carbônico. Isso corresponde a 18% de tudo o que a civilização ainda pode emitir se quiser estabilizar o aquecimento global em 1,5 grau. Trocando em miúdos, o Brasil pode, sozinho, mandar para o vinagre a chance de evitar os piores efeitos do aquecimento da Terra.

Levando em conta o baixíssimo custo de produção previsto para o pré-sal, a US$ 7 o barril, os autores do artigo afirmaram

Se é tão barato e mesmo assim precisa de incentivos tão grandes é porque, numa hipótese extremamente benevolente, o governo gostaria apenas de fazer um “saldão” desse óleo e vê-lo fora do subsolo o mais rápido possível. E isso nos traz a outro problema insanável da MP do Trilhão: além de uma bomba fiscal, ela é uma bomba climática.

Na verdade, é muito mais que isso. Ainda que fosse possível confiar na previsão de renúncia dessa MP, também seria absurda a indiferença do governo com as necessidades na áreas de educação, saúde, meio ambiente e ciência e tecnologia, principalmente após as barganhas em troca dos votos que impediram a instauração de processos por corrupção passiva e organização criminosa contra o presidente Michel Temer.

Somando-se isso ao cinismo com que tem tomado internamente decisões que contrariam seus compromissos com a Convenção de Mudanças do Clima das Nações Unidas, a bomba, além de fiscal e climática, também é de indecência.

Na imagem acima, aessão do plenário do Senado Federal na quinta-feira (7/dez), que aprovou a ratificação da adesão do Brasil ao segundo período de compromissos do acordo, que segue até o fim de 2020. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.

Fonte:  diretodaciencia.com

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