Lei de Repatriação de Ativos pode trazer riscos na área penal
Aparentemente atrativa para contribuintes declararem valores que estão em contas bancárias no exterior, a chamada Lei da Repatriação pode oferecer riscos e deixar em uma situação complicada aqueles que pensam em aderir ao regime. Segundo advogados, a norma – apesar de anistiar alguns crimes – não garante que a quebra de sigilo, continuidade de investigações e a responsabilização criminal dos contribuintes não ocorrerão.
O secretário de cooperação internacional adjunto do Ministério Público Federal (MPF), Carlos Bruno Ferreira da Silva, afirma que a lei é clara ao dizer que não se pode usar os dados fornecidos para investigações. “O MPF, porém, pode usar outros meios para encontrar essas informações”.
Silva ainda afirma que o Ministério Público Federal deve fiscalizar para que a norma seja cumprida de forma restrita e “que advogados [representando clientes] não a usem para repatriar valores obtidos com o tráfico de drogas e corrupção.
Apesar dos supostos riscos de participação no programa, a opção de não declarar também é considerada perigosa por especialistas, em razão dos acordos internacionais que possibilitam o cruzamento de dados entre os Fiscos de diferentes nações.
Com a implementação do “Foreign Account Tax Compliance Act” (Fatca) – regime americano de prestação de informações tributárias – e com a possibilidade de que esses dados sejam, nos próximos dois anos, automaticamente trocados entre diversos países em função do “Common Reporting Standard” (CRS) – desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), – ficará cada vez mais difícil manter montantes no exterior longe da fiscalização.
A Lei nº 13.254 institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) e oferece a pessoas físicas e jurídicas a possibilidade de legalizar recursos ou patrimônio lícito não declarados no exterior poderão por meio do pagamento de 15% de Imposto de Renda sobre o valor declarado e 15% de multa.
A norma libera o contribuinte de responder a sete tipos de crime: sonegações fiscal e previdenciária, falsidade ideológica, uso de documento falso para esses fins, evasão de divisas, manutenção de depósitos não declarados no exterior e lavagem de dinheiro – desde que proveniente de um dos delitos antes mencionados.
Segundo o advogado criminalista Rogério Taffarello, a anistia engloba os principais crimes que podem envolver esses processos. No entanto, o crime de falsidade ideológica e documento falso necessários para a prática de evasão de divisas está excluído, o que pode gerar problemas a depender do caso.
Um dos maiores receios dos advogados está no uso das informações do programa em eventuais investigações, ainda que exista a previsão de anistia. Isso porque a lei, apesar de dizer que esses dados não poderão ser usados se a Receita Federal negar a participação do contribuinte no programa de repatriação, há uma ressalva no parágrafo 2º, do artigo 9º.
O dispositivo diz que a instauração ou continuidade de procedimentos somente poderá ocorrer “se houver evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte”.
De acordo o advogado criminalista Fábio Tofic Simantob, a norma não esclarece que evidências documentais seriam essas. “Uma pessoa poderia ter sua investigação tocada em frente em consequência de uma notícia de jornal, por exemplo”, diz Simantob.
Outro artigo que traria essa mesma insegurança é o inciso I, parágrafo 12, do artigo 4º, segundo o qual a declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada ” como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”. Para o advogado Davi Tangerino, sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados e professor de Direito Penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, existe um risco na interpretação de “único indício”, pois não se estabelece quais outros poderão ser usados.
Como o Ministério Público não precisa contar os caminhos que percorreu, em tese, existe o risco de, com a declaração, a informação ser usada não explicitamente, mas como ponto de partida. “O perigo é investigarem ou acharem um arranjo criativo pra justificar a investigação.”, diz Tangerino.
O Ministério Público Federal foi um dos principais opositores no Congresso à aprovação da proposta. “Essas leis não são o melhor meio de resolver o problema ao permitir a repatriação dos ativos em troca de perdão para os crimes cometidos”, diz o secretário de cooperação internacional adjunto do MPF, Carlos Bruno Ferreira da Silva. De acordo com ele, o procurador-geral ainda poderá avaliar se seria o caso de questionar a norma no Supremo Tribunal Federal (STF).
O advogado tributarista Edison Fernandes, do Fernandes, Figueiredo, Françoso Petros Advogados, afirma que há clientes temerosos em relação à adesão pelo risco de a lei ser questionada no Supremo. “Tenho clientes que não confiam e que não devem fazer a repatriação por medo de responderem criminalmente, caso a lei seja derrubada”, diz Fernandes.
Nas consultas que recebeu sobre o tema, o advogado tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, recomendou que a regularização dos valores não fosse feita. “Depende da situação concreta”, avalia. De acordo com o advogado, os interessados no benefício devem lembrar qual a situação que deu origem ao dinheiro levado ao exterior e pensar se há outros impostos que não estão incluídos na lei e que também deixaram de ser pagos, como tributos estaduais e municipais.
Fonte: Sacha Calmon