Grupo econômico em matéria previdenciária e trabalhista
O artigo 30, inciso IX, da lei 8.212/19911 estipula que as empresas integrantes do mesmo grupo econômico são solidárias entre si pelas obrigações previdenciárias.
A Instrução Normativa nº 971/2009 considera grupo econômico, quando duas ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de outra, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer atividade econômica.
O diploma também determina que, quando do lançamento de crédito previdenciário de responsabilidade de empresa integrante de grupo econômico, as demais empresas do grupo, responsáveis solidárias entre si pelo cumprimento das obrigações previdenciárias2.
Assim, caso uma das empresas que integram o mesmo Grupo Econômico deixe de efetuar o recolhimento das Contribuições Previdenciárias, as demais empresas poderão ser solidariamente responsáveis pelo pagamento das obrigações previstas na legislação previdenciária.
É certo afirmar que, na prática, a Receita Federal efetua inicialmente a cobrança de Contribuições Previdenciárias do devedor principal. A despeito disso, quando da caracterização do grupo econômico, alguns requisitos devem ser observados antes de que a responsabilidade solidária seja imputada.
Artigo 124 do CTN: existência de interesse comum no fato gerador
O artigo 124 do CTN define que serão solidariamente obrigadas as pessoas expressamente designadas por lei. A esse respeito, cumpre notar que o Plenário do STF já definiu, em sede de repercussão geral3, que as normas eventualmente criadas, a partir da permissão do artigo 124, inciso II, do CTN, não podem ir de encontro aos requisitos previstos no artigo 128 do CTN, tampouco desconsiderar os demais artigos do CTN que tratam da responsabilidade tributária, sob pena de violação ao artigo 146 da CF/1988.
O artigo 128 do CTN permite o legislador ordinário criar leis que tratem de responsabilidade tributária/previdenciária, mas desde que o terceiro responsável esteja vinculado ao fato gerador da obrigação que deu causa ao débito em exigência.
Da mesma forma, nos termos do artigo 124, inciso I, do CTN, para que seja configurada a responsabilidade solidária no âmbito tributário/previdenciário, faz-se necessária a comprovação do interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
Dessa forma, a responsabilidade tributária apenas se justifica para responsabilizar pessoas de um mesmo grupo econômico – não se estendendo a terceiras pessoas, de fora do grupo – caso haja dentro do grupo vinculação ao fato gerador e interesse comum em fraudar o Fisco.
Corroborando com esse entendimento, a jurisprudência pacífica da Primeira Seção do STJ4 reconhece que não há solidariedade passiva em execução fiscal pelo simples fato de duas empresas eventualmente pertencerem a um mesmo grupo econômico.
Participação no Processo Administrativo
O lançamento tributário vem definido pelo artigo 142 do CTN como procedimento administrativo de constituição do crédito tributário, oriundo da ocorrência do fato gerador previsto em lei e apto ao nascimento da obrigação tributária. Pelo lançamento fiscal, apura-se, ainda, quem deve arcar com o pagamento da exação, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, nos termos do artigo 121 do CTN.
Por força da previsão contida no artigo 5º, inciso LV, da CF/1988, em todo e qualquer processo administrativo ou judicial, exige-se a observância do contraditório e da ampla defesa. Assim, para fins de atribuição da responsabilidade tributária, faz-se necessário que as empresas integrantes do mesmo grupo econômico sejam notificadas sobre a dívida em discussão desde o início dos processos administrativos.
Para dar suporte às presentes afirmações, destacam-se julgados proferidos pelos Tribunais Regionais Federais5, cujas conclusões podem ser aplicadas analogicamente ao caso em comento (sucessão tributária com base no artigo 133 do CTN), consignando que a Execução Fiscal somente poderá ser redirecionada contra terceiro, desde que o indivíduo tenha participado do processo administrativo. No mesmo sentido se posiciona o Supremo Tribunal Federal6.
Aliás, em consonância a esse entendimento pacífico adotado pela jurisprudência, foi editada a Portaria RFB n° 2.284, de 29.11.2010, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pela Receita Federal do Brasil quando da constatação de pluralidade de sujeitos passivos de uma mesma obrigação tributária. O artigo 3º desse diploma determina que “todos os autuados deverão ser cientificados do auto de infração, com abertura de prazo para que cada um deles apresente impugnação” e “o prazo para impugnação é contado, para cada sujeito passivo, a partir da data em que tiver sido cientificado do lançamento.”
Inclusão das Empresas na CDA, desde sua formalização
Num cenário em que as empresas sejam responsabilizadas sem que tenham participado dos Processos Administrativos, o que se admite apenas à título de argumentação, deve se ter em conta a instransponível necessidade de que estas constem no termo da inscrição em dívida ativa, desde sua formalização.
Ora, a omissão do nome do devedor e dos corresponsáveis no termo de inscrição da dívida ativa, desde a sua formalização, acarreta vício que compromete a presunção de certeza e liquidez da dívida, a teor do disposto nos artigos 202 do CTN7 e 2º, parágrafo 5º, da lei 6.830/19808.
Para dar suporte às presentes afirmações, destaca-se decisão proferida pela Primeira Turma do STJ9 reconhecendo a impossibilidade de se “legitimar o redirecionamento de execução fiscal, já em curso, contra pessoa jurídica em relação à qual não foi sequer lançado o débito tributário.”
Aspectos Trabalhistas
Como sabido, de acordo com o artigo 2º, §2º, da CLT, empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico respondem solidariamente por eventuais débitos trabalhistas das empresas do grupo, independentemente de quem seja a real empregadora. Nesse sentido, é bastante comum a inclusão de empresas de um mesmo grupo econômico em processos trabalhistas, para pagamento dos créditos deferidos aos reclamantes.
Ressalvamos que não iremos discutir aqui o conceito de grupo, mas tão somente a questão processual relacionada ao momento adequado para as empresas serem incluídas nos processos trabalhistas em andamento. De todo modo, apenas para contextualizar, podemos dizer que os elementos caracterizadores do grupo podem decorrer de uma relação de subordinação entre as empresas, ou da identidade de sócios juntamente a uma relação de coordenação (interesses comuns e integrados). O Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) revisitou seu entendimento sobre a matéria recentemente, sendo importante se verificar julgados recentes, fazendo-se a devida distinção entre o período anterior e posterior à reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) para análise do caso concreto.
Quanto à matéria, cabe ainda mencionar o Decreto nº 10.854/2021, repetindo disposição específica da legislação trabalhista10 que veda caracterização de grupo econômico pela mera identidade de sócios, hipótese em que será necessária a demonstração do interesse integrado, da efetiva comunhão de interesses; e da atuação conjunta das empresas que o integrem.
Sob o ponto de vista processual, até 2003, o TST tinha o entendimento consolidado pela Súmula 205, no sentido de que havia necessidade de participação das empresas desde o início do processo, para que constassem do título executivo (sentença) e pudessem responder pela condenação. Ou seja, quando as empresas eram surpreendidas com a inclusão já na fase de execução, tinham argumentos fortes para fundamentar seu pedido de exclusão da lide. O argumento principal que fundamentava esse entendimento era o direito à ampla defesa e contraditório, posto que em fase de execução a matéria de defesa fica bastante limitada.
A partir de novembro de 2003, o TST cancelou a Sumula 205 e passou a admitir a inclusão de empresas do mesmo grupo econômico no processo já em fase de execução. O fundamento para o cancelamento pautou-se especialmente no conceito de empregador único, entendendo-se que a defesa de uma das empresas do grupo seria suficiente a se alcançar as demais. Admite-se, porém, a discussão quanto à própria formação de grupo, mas não mais quanto ao crédito deferido em sentença.
A recente decisão do STF11 traz a discussão à baila novamente. O Ministro Gilmar Mendes entendeu que, desde o advento do Código de Processo Civil de 2015, o § 5º, do artigo 513, determina que “o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado, ou do responsável que não tiver participado da fase de conhecimento”. Nessa medida, a inclusão de empresas do mesmo grupo econômico somente na fase de execução violaria referida disposição legal, o que significa dizer que a formação do grupo econômico deve ser definida ainda em fase de conhecimento do processo.
No caso prático, o TST não fez qualquer menção a essa previsão legal, não havendo discussão sobre a constitucionalidade do artigo 513, § 5º, do CPC. Assim, ao não aplicar referido artigo, a decisão teria violado a Súmula Vinculante 10 do STF que prevê que “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Em outras palavras, para afastar a aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC, o TST deveria ter declarado incidentalmente sua inconstitucionalidade por decisão do órgão colegiado, o que não ocorreu.
Como resultado, o STF determinou que o TST analise novamente a questão, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, previamente à análise do processo pelo STF.
Infelizmente, a decisão do STF parece ter um alcance menos amplo do que o ideal, uma vez que foi proferida em recurso extraordinário, sem repercussão geral. Também não se trata de um recurso repetitivo. Quanto aos efeitos, a decisão determinou que o TST se manifeste acerca da disposição do Código de Processo Civil acima mencionada. Portanto, em princípio, a decisão tem um alcance limitado ao processo em que foi proferida, e ainda dependerá da nova análise do TST sobre o tema, para posterior envio ao STF.
Isso não significa, contudo, que a decisão não possa ser usada analogicamente em outros casos, a reforçar fortemente os fundamentos no mesmo sentido. Nesse sentido, é uma decisão bastante interessante e que pode ter um impacto novo e positivo na discussão de inclusão de empresas de um mesmo grupo econômico em processos em andamento.
Em suma, quando da caracterização do grupo econômico, seja na esfera trabalhista seja na esfera previdenciária – tributação sobre a folha -, os requisitos analisados acima devem ser observados antes de que a responsabilidade solidária seja imputada, o que pode gerar um maior conforto por parte das empresas no sentido de que não serão demandadas injustificadamente pelo simples fato de que seus pares dentro de um mesmo Grupo Econômico falharam com suas obrigações trabalhistas e previdenciárias.
__________
1 “Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (…)
IX – as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;”
2 Art. 494. Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica.
Art. 495. Quando do lançamento de crédito previdenciário de responsabilidade de empresa integrante de grupo econômico, as demais empresas do grupo, responsáveis solidárias entre si pelo cumprimento das obrigações previdenciárias na forma do inciso IX do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, serão cientificadas da ocorrência.
3 “RE 562276/PR, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 3.11.2010
4 EREsp 834044 / RS, STJ, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques , DJe 29.9.2010
5 TRF da 1ª Região, 8ª Turma, Agravo de Instrumento nº. 200801000466952, Publicação: 30.1.2009
6 AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 608.426 / PARANÁ, RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA, DJ 24.10.2011
7 “Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:
I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;”
8 “Art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na lei 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal: […]
§ 5º – O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; […]”
9 “RESP 463418, Primeira Turma do STJ, Relatora Denise Arruda, DJ DATA:18/12/2006 PG:00308
10 Art. 40. A responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços não implicará qualquer tipo de desconsideração da cadeia produtiva quanto ao vínculo empregatício entre o empregado da empresa prestadora de serviços e a empresa contratante.
Parágrafo único. É vedada a caracterização de grupo econômico pela mera identidade de sócios, hipótese em que será necessária, para a sua configuração, conforme o disposto no § 3º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1943, a demonstração:
I – do interesse integrado;
II – da efetiva comunhão de interesses; e
III – da atuação conjunta das empresas que o integrem.
11 RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.160.361 SÃO PAULO
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/357201/grupo-economico-em-materia-previdenciaria-e-trabalhista