Depois que a crise política se impôs sobre a pandemia do novo coronavírus, provocando duas baixas importantes no governo federal, o presidente Jair Bolsonaro procurou afastar os rumores de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, também estaria prestes a deixar o cargo. O chefe de Estado garantiu, na semana passada, que Guedes é o “homem que decide sobre a economia”. O ministro, que andava sumido dos eventos públicos, logo apareceu ao lado dos companheiros de Esplanada que pareciam contrariar a agenda de ajuste fiscal, para reforçar o discurso de que o “Posto Ipiranga” continua no comando.
Nos bastidores, é sabido, porém, que Guedes ainda não engoliu a ideia do Pró-Brasil. Por isso, rompeu com o idealizador da proposta: o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, principal articulador do governo no Congresso na reforma da Previdência. Segundo líderes do Centrão, grupo fisiológico de partidos que está com trânsito livre no Planalto, Marinho continua peça-chave na negociação para aprovar no Congresso a agenda de reformas.
O atrito entre Paulo Guedes e Rogério Marinho veio à tona logo na saída de Sergio Moro do governo. Naquele dia, Bolsonaro reuniu todos os ministros para lançar um discurso de resposta ao ex-titular da pasta de Justiça e Segurança Pública, mas Guedes roubou a atenção. Não apenas por ser o único ministro de máscara, sem terno e de sapato que parecia uma meia, mas porque, antes de entrar em cena, negou-se a conversar com Marinho. Guedes teria chamado o ministro do Desenvolvimento Regional de “desleal” e “despreparado”. O chefe da equipe econômica não concorda com a proposta de investir R$ 30 bilhões em obras públicas em um plano de retomada no pós-coronavírus, como prevê o Plano Pró-Brasil, apresentado pela Casa Civil, mas concebido prioritariamente por Marinho.
Segundo a equipe econômica, o governo não tem dinheiro para executar esse plano. Por isso, seria obrigado a se endividar mais e a estourar o teto de gastos, que é tido como uma âncora de estabilidade fiscal. Guedes considera que essa não é a melhor maneira de superar a crise da Covid-19. O ministro fez questão de deixar isso claro, comparando o Pró-Brasil ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do PT — um programa que, na visão dele, provocou uma cratera nas contas públicas brasileiras e não surtiu efeito, lançando a economia em um “voo de galinha”. “O caminho do investimento público, o PAC, foi trilhado para o buraco. A solução não pode ser cavar mais fundo, repetir a estratégia, fazer um novo PAC”, disse Guedes, em uma live com o setor varejista.
O ministro ainda lembrou que, por conta de todos esses impasses, o Pró-Brasil deixou o mercado financeiro com dúvidas sobre a disposição do governo de manter a agenda de ajuste fiscal depois da pandemia do novo coronavírus, provocando perdas bilionárias nas empresas brasileiras listadas em Bolsa e elevando a curva do risco-Brasil. Esse clima de incertezas sobre qual seria o caminho da retomada econômica no pós-coronavírus — os investimentos públicos do Pró-Brasil, ou as reformas econômicas que Guedes entende serem necessárias para a atração de investimentos privados e o ajuste fiscal — também incomodou os auxiliares de Guedes. Por isso, eles fizeram questão de mostrar a insatisfação com o “PAC do Marinho” e, nos bastidores, admitiram se sentirem traídos pelo ministro do Desenvolvimento Regional.
A decepção tem explicação. Depois de não conseguir a reeleição como deputado federal do Rio Grande do Norte pelo PSDB, Rogério Marinho foi para o governo Bolsonaro graças a Guedes. Marinho era o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia antes de ser conduzido ao Ministério do Desenvolvimento Regional, com o apoio do Centrão. Foi neste cargo, durante a aprovação da reforma da Previdência, que se sagrou como um dos principais articuladores do governo no Congresso.
Cientes do papel de Marinho junto aos parlamentares — uma vez que Guedes não dispõe da mesma habilidade política — os líderes do governo no Congresso têm tentado minimizar esse desconforto. O presidente Bolsonaro e o ministro da Casa Civil, Braga Netto, fizeram o mesmo movimento, acenando ao mercado que apoiem a agenda liberal de Guedes, de reformas e ajuste fiscal. “Isso está superado. Eles sabem do seu papel e vão buscar a convergência”, disse o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), sobre o atrito entre os dois ministros, que convocaram uma coletiva de imprensa para jurar solidariedade mútua.
Apoio no Congresso é fator chave
Paulo Guedes ainda não deixou o clima de insatisfação baixar. “Alguns ministérios estão vislumbrando novos espaços de ação, mas isso precisa caber no nosso plano. Seria muito oportunismo político trazermos uma farra eleitoral para se engrandecer e colocar em risco o próprio governo”, alfinetou Guedes, em coletiva de imprensa realizada no Planalto. “Eu nunca ofendi ou rompi relação com ninguém. Mas, quando alguma proposta extrapola a Lei de Responsabilidade Fiscal ou se há um incentivo perverso, eu não posso avançar”, acrescentou, no dia seguinte.
Ainda incomodado com o ex-secretário, Guedes tratou de negociar a reação com outros integrantes da Esplanada. Na coletiva chamada por Bolsonaro para confirmar que o “Posto Ipiranga” é o gestor da economia brasileira, também estavam presentes os colegas Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Tereza Cristina (Agricultura) — elogiados durante a semana por Guedes. O ministro da Economia disse que as exportações do agronegócio serão fundamentais para amenizar a queda do Produto Interno Bruto (PIB) e afirmou que os pleitos de investimento da Infraestrutura, ao contrário das pretensões do Desenvolvimento Regional, são factíveis e importantes.
Em seguida, o chefe da política econômica apareceu com Braga Netto para garantir que tem uma relação excelente com o ministro da Casa Civil. O general reforçou a colaboração com Guedes e assegurou a participação da equipe econômica na construção do plano de retomada para o pós-coronavírus.
Rogério Marinho não escondeu nos bastidores o descontentamento com a recente falta de diálogo e o trato com Guedes, “que não é virtuoso em temperamento”. Ao Correio, o ministro garantiu que não tem interesse em criar uma crise com o governo. “Eu tenho interesse que as coisas deem certo. Para mim, sempre esteve claro que qualquer solução, no sentido de desembolso, passa pelo Ministério da Economia”, disse.
Marinho reforçou, ainda, o discurso de que o Planalto, a Casa Civil e a Economia tentaram mostrar que o imbróglio criado pelo Pró-Brasil não passou de um mal-entendido. Segundo as pastas, o plano representa apenas os pleitos setoriais dos diversos ministérios do governo — pleitos esses que ainda serão analisados pelo presidente Jair Bolsonaro, dentro dos limites orçamentários recomendados pelo Ministério da Economia.
Esteio no Congresso
“Se depender do Marinho, as coisas vão se acalmar. Não é momento de criar crise ou confusões. Ele vai ter bom senso de não avançar em uma coisa que desestabilize o governo, sobretudo na área econômica, que é uma das poucas áreas que ainda tem credibilidade no governo”, endossou o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator da reforma da Previdência na Câmara e colega de partido do ministro do Desenvolvimento Regional. O parlamentar afirma que “cabe ao presidente Bolsonaro fazer a união da equipe”, pois “Guedes sempre teve dificuldade de lidar na articulação política.” Os líderes partidários ressaltam que essa união é fundamental.
“Se Guedes é o esteio da economia, Marinho tem sido um dos esteios do governo no Congresso. Mesmo depois que saiu do Ministério da Economia, é um dos principais interlocutores das pautas econômicas na Câmara. Então, espero que os ministros tenham a maturidade de recompor o diálogo”, afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). “O Congresso é reformista, mas sabe que é preciso coordenar as reformas com o momento de vida do país. Depois do coronavírus, teremos um cenário de pós-guerra. E todo pós-guerra exige certo investimento”, ponderou Ramos.
Analistas do mercado financeiro admitem que os acenos de Bolsonaro a Guedes permitiram a reversão de parte das perdas registradas pela Bolsa de Valores, depois da apresentação do Pró-Brasil. Mas seguem de olho nos ânimos do governo para definirem o rumo dos investimentos, ainda mais neste momento em que o presidente também parece disposto a se aproximar do Centrão, notório sedento por cargos e investimentos.
“Bolsonaro se preocupou em mostrar ao mercado que não haverá mudança na economia agora, mas esse gesto também foi visto com certo ceticismo. Conhecemos o histórico do presidente e sabemos que, uma hora, o governo chegará a uma encruzilhada por conta dos planos para a retomada. Haverá pressão pelo aumento dos gastos públicos, que vai na contramão do que o ministro Guedes defende. O governo precisará se posicionar em algum momento”, disse o diretor de câmbio da FB Capital, Fernando Bergallo.