Escândalo no MT expõe influência e conexões de Gilmar
Embora não tenha sido citado pelo ex-governador do Mato Grosso Silval Barbosa (PMDB) no acordo de colaboração com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o nome do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), passou a ser um dos mais mencionados nos bastidores da política local. Poucos se sentem à vontade para falar abertamente sobre ele. Mas autoridades do meio político, do Ministério Público e do Judiciário passaram os últimos dias listando episódios questionáveis do governo Silval que se aproximam do magistrado.
Classificada como “monstruosa” pelo também ministro do STF Luiz Fux, que dias atrás a homologou, a delação de Silval provocou um terremoto político no Estado de proporções inéditas. A confissão de dezenas de esquemas de corrupção envolveu o ministro da Agricultura e ex-governador, Blairo Maggi (PP), o atual governador, Pedro Taques (PSDB), dois dos três senadores locais, deputados e ex-deputados federais, representante do tribunal de contas e todos os deputados estaduais da legislatura anterior, entre eles o atual prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (PMDB).
O aspecto mais chamativo foram os vídeos gravados de forma escondida por Silval mostrando parlamentares de diversos partidos, um após o outro, recebendo maços de dinheiro dentro do uma repartição. Segundo o delator, era um “mensalinho”, uma tradição na relação com os representantes da Assembleia para garantir apoio às matérias de interesse da gestão e evitar investigações contra o seu governo corrupto.
Um dos episódios envolvendo o nome de Gilmar lembrado na semana passada foi o da inusitada aquisição por parte do governo Silval de uma faculdade particular criada pelo ministro, uma irmã e outros três sócios no fim dos anos 90. A União de Ensino Superior de Diamantino (Uned) foi montada no pequeno município de Diamantino, região central do Mato Grosso, cidade natal do magistrado e onde seu pai e um irmão já foram prefeitos.
Conforme mostrou uma reportagem da agência “Pública” em junho, a estatização da faculdade é alvo de inquérito civil no Ministério Público Estadual, que apura as circunstâncias da operação. Na época da criação, um dos parceiros de Gilmar na empreitada foi o pecuarista Marcos Antônio Tozzatti, ex-assessor e atual sócio do ministro Eliseu Padilha (PMDB) numa fazenda de gado e, junto com ele, alvo de investigação por crime ambiental.
A Uned operou 13 anos enfrentando dificuldades por causa da inadimplência. Até que em 2013 Silval resolveu comprá-la. Para isso, mobilizou os deputados estaduais que precisaram aprovar uma norma para dar autonomia para a Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat) realizar a aquisição.
Na época, a Assembleia era comandada pelo notório José Riva (PSD), que responde por mais de uma centena de processos e ganhou fama como “o maior ficha suja do país”. Ao custo de quase R$ 8 milhões, a faculdade particular virou pública e deixou de cobrar mensalidade. Aumentou o número de alunos, mas vive até hoje em situação precária, sem concurso e com professores improvisados.
Não há evidência de que Gilmar tenha participado das negociações. Ele saiu do negócio anos antes da transferência. Na cerimônia de inauguração da unidade estatizada, porém, o ministro do STF apareceu em Diamantino ao lado de Silval e de Riva. O campus foi batizado com o nome de seu pai, Francisco Ferreira Mendes.
No mesmo ano da estatização, Silval agraciou Gilmar com a medalha de honra ao mérito do Estado. Conforme registrado na ocasião, o ministro agradeceu afirmando que era “amigo de muitos anos” do agora delator, figura com quem costumava ter “conversas muito proveitosas”.
Hoje, a expectativa no Estado é que Riva faça delação. A informação de que ele estaria negociando para isso foi confirmada ao Valor por uma autoridade que pediu para não ter o nome identificado.
Um segundo episódio com instituição de ensino também associa Gilmar aos investigados. Em 2012, Riva decidiu promover um concurso para contratação de 430 servidores para a Assembleia. A Casa tinha 1,4 mil funcionários – a maioria comissionados – e não fazia concurso há duas décadas. Para surpresa de muitos, a empresa selecionada para realizar o certame foi o Instituto Brasiliense de Direito Privado (IDP), escola que tem Gilmar como sócio. O IDP foi criado na mesma época da Uned. Diferentemente da faculdade de Diamantino, cresceu e continua tendo Gilmar como sócio. Sua contratação para realização de concurso gerou desconfiança e passou a ser publicamente criticada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Entre outras coisas, diziam que o IDP não tinha experiência anterior alguma nesse tipo de atividade e acusavam o instituto de ter preparado um edital com vícios que favoreciam comissionados já instalados na Casa. Mencionavam ainda erros primários do edital, como especificar uma norma do Mato Grosso do Sul inexistente no Mato Grosso. A desconfiança era de que se tratava de uma operação capitaneada por Riva para garantir a perpetuação de aliados na Assembleia.
Em julho de 2013, o concurso foi cancelado. O substituto de Riva na presidência da Assembleia, Romildo Júnior (PMDB), concordou que havia “situação de insegurança”. Embora não admita as acusações que eram feitas pela OAB e pelo MCCE, o IPD concordou que teria dificuldade para tocar o certame, já que a demanda por inscrições, 50 mil, ficou muito acima do que havia sido estimado no contrato, 17 mil.
O Valor não conseguiu falar diretamente com Gilmar Mendes, em viagem no exterior. O IDP afirmou que a contratação e posterior cancelamento do serviço não resultaram em prejuízo para o Estado. Sua remuneração seria feita a partir da receita com inscrições. Os pagamentos que já haviam sido realizados foram devolvidos aos interessados, informou. O concurso acabou sendo feito depois pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Assim como ocorreu recentemente no julgamento do habeas corpus que tirou o empresário Jacob Barata Filho da cadeia no Rio, a isenção de Gilmar para decidir também foi questionada em 2015 quando o caso José Riva chegou ao STF. O ex-deputado estava preso havia quatro meses sob a acusação de desvio de mais de R$ 60 milhões em concorrências fraudulentas. Seu advogado, Rodrigo Mudrovitsch, é professor do IDP e já havia sido defensor do próprio Gilmar. O magistrado não se declarou impedido. Na segunda turma, Teori Zavascki e Cármen Lúcia votaram pela manutenção da prisão. Gilmar defendeu o habeas corpus e foi acompanhado por Dias Toffoli. Como Celso de Mello havia faltado, o empate favoreceu o réu.
Dias depois, a juíza da 7ª Vara Criminal do Mato Grosso, Selma Arruda, determinou nova prisão de Riva. Fez isso com base em outro processo e novos indícios que, no seu entender, justificavam a medida preventiva. Gilmar chamou o caso para si e mandou soltá-lo imediatamente. Assim como fez recentemente com o juiz Marcelo Bretas, do Rio, interpretou a segunda decisão de Selma como uma afronta à sua autoridade.
Selma é a juíza que atuou desde o início no gigantesco caso que agora teve seu desfecho com a delação de Silval. Trata-se de uma investigação que começou em 2015 para apurar corrupção na concessão de benefícios fiscais. Como o tempo, foi se desdobrando em várias outras, quase tudo confirmado agora pelo ex-governador. Até outro dia, Selma era chamada no Estado de “Sergio Moro de saia”. Quando Gilmar censurou Bretas, uma autoridade do meio jurídico cuiabano afirmou que o juiz carioca poderia passar a ser chamado de “Selma Arruda de terno e gravata”.
Fonte: edicaoms.com.br