Entrevista: Vilson Romero fala sobre novo texto da reforma

‘O governo encaminha a reforma menosprezando trabalhadores que prestam serviços à nação’

O deputado Arthur Oliveira Maia (PPS/BA), relator da proposta de Reforma da Previdência, apresentou ontem (7), durante uma coletiva de imprensa, uma nova emenda aglutinativa para o texto. Quatro pontos apenas foram alterados na proposição: a extinção dos dispositivos que modificavam a aposentadoria rural e o Benefício da Prestação Continuada (BPC); a redução do tempo mínimo de contribuição, de 25 para 15 anos; e a pensão integral por morte em serviço de policial. Outros pontos, como o acúmulo de benefícios e regras para servidores que ingressaram antes de 2003, devem ser negociados até a votação, ainda sem data marcada, mas prevista para depois do carnaval, caso o governo consiga o número de votos necessários para que o texto passe no Congresso. Acredita-se, porém, que nenhuma alteração será feita à proposição de mudanças nas regras de aposentadoria do servidor público, uma vez que o governo tem insistido no discurso de que servidores públicos têm privilégios. O alerta é do coordenador de Estudos Socioeconômicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Vilson Romero. Em entrevista ao Portal EPSJV, ele explica como essa reforma penaliza especialmente os trabalhadores públicos civis. “Em um primeiro momento, essa reforma não mexe com municípios e estados, não mexe com militares, muito menos resolve o problema do desequilíbrio do setor rural”, afirma.

Apesar de o governo Temer ter retrocedido em relação à primeira versão, apresentada em dezembro de 2016, o novo texto da Reforma da Previdência, divulgado em novembro de 2017, produzirá alterações significativas que, se aprovadas, vão impactar a vida de uma grande parcela da população, especialmente dos servidores públicos. Como a reforma mexe com a população em geral e, em especial, com os servidores?

O governo federal não contou à sociedade e ao trabalhador, em particular, que, se aprovada a famigerada reforma, quando ele se aposentar, não poderá acumular a pensão do esposo ou da esposa, do companheiro ou da companheira. Salvo [quem recebe] até o limite de dois salários-mínimos, todos terão que abrir mão de um dos benefícios. Além disso, a pensão por morte, que hoje é de 100% do salário de benefício do falecido, se houver somente um dependente, será reduzida a 60%. Um trabalhador com 24 anos trabalhados em condições insalubres não poderá contar este período para aposentadoria especial, enquanto um colega de trabalho com 25 anos nessas mesmas condições poderá. O governo quer igualar as regras dos regimes de previdência, mas exige 25 anos de contribuição dos servidores públicos e 15 anos dos trabalhadores privados e a idade mínima de 65/62 anos, para ambos, aumentando a cada dois anos, passados cinco anos da reforma.  Os servidores públicos federais admitidos após fevereiro de 2013 só recebem aposentadoria até o teto do INSS. Os que ingressaram antes seguem pagando 11% sobre tudo o que ganham – e em janeiro de 2018, passaria a 14% –, mesmo após a aposentadoria ou na condição de pensionista. A reforma autoriza o sistema financeiro privado a administrar a Previdência Complementar dos servidores. O trabalhador rural será sim afetado pela reforma, pois o empregado rural será tratado da mesma forma que o urbano, mesmo com condições de trabalho muito mais precárias. A aposentadoria por invalidez será de 70% e, somente no caso excepcional de acidente de trabalho, será integral. A mulher com deficiência terá que cumprir o mesmo tempo de contribuição para se aposentar que um homem com deficiência. O trabalhador terá de contribuir por 40 anos para ter direito a uma aposentadoria de 100% da média de todos os seus salários desde julho de 1994 ou de quando começou a trabalhar, se posterior. Por fim, a Reforma não prevê qualquer aprimoramento da gestão previdenciária, no combate às fraudes, à sonegação e aos desvios de recursos da previdência, nem a revisão ou fim das isenções e desonerações tributárias ou quaisquer medidas de agilização da cobrança das dívidas de grandes empresas com a Previdência.

Outros pontos como acúmulo de benefícios e regras para servidores que ingressaram antes de 2003 devem ser negociados até a votação, podendo surgir novos textos. O que você espera desta reforma no que tange aos servidores públicos?

O governo encaminha a reforma atacando o conjunto dos servidores públicos, denegrindo sua imagem, atingindo e menosprezando os trabalhadores que prestam serviços à nação e, acima de tudo, centrando em algo que é extremamente falacioso, ou seja, que servidores públicos têm privilégios. Aqueles que pagam sobre tudo o que ganham e que tiveram um contrato de trabalho assinado antes de 1998 ou 2003, admitidos por concurso público, estão sendo profundamente atacados. Mas, acima de tudo, temos que observar as regras de transição que já foram fixadas nas emendas constitucionais 20/1998, 41/2013 e, em especial, 47/2005. O governo quer, obviamente, fazer com que todo mundo, inclusive os que não preencherem os requisitos, apesar de terem sido admitidos antes de dezembro de 2003, perca tudo, inclusive expectativa de direito, de fizerem jus à formula 85/95 [trata-se de uma alternativa ao fator previdenciário. Quem se enquadra nessa regra para se aposentar tem direito a receber a aposentadoria integral, sem precisar do fator previdenciário] ou atingirem a idade mínima de 60 anos, que era a regra da emenda constitucional 41.

O que parece é que um dos objetivos é discutir uma regra de transição para quem ingressou no serviço público antes de 2003. Os militares ficariam no mesmo regime? Há privilégios para este grupo?

O que nós vemos é o seguinte: o governo anuncia que há um desequilíbrio da ordem de R$ 200 bilhões na Previdência abrangendo servidores públicos civis, militares, aposentados do INSS na área rural, na área urbana e os benefícios de prestação continuada, que são os assistenciais. Mas ao fim e ao cabo, ele só atinge quem? Os trabalhadores do INSS que são da cidade, ou seja, os urbanos, e os servidores públicos civis, porque em um primeiro momento não mexe com municípios e estados, não mexe com militares, não resolve o problema do desequilíbrio do setor rural. Ou seja, essa reforma penaliza efetivamente o servidor público civil da União e o trabalhador da iniciativa privada vinculado ao INSS, que, considerando ainda a reforma trabalhista, viverá uma situação de tremenda precarização da sua relação de trabalho, implicando inclusive o volume de recursos que irão para a Previdência Social. É óbvio que o governo está usando o servidor público como bode expiatório, propondo mudanças extremamente penosas. Se analisarmos especialmente a professora do ensino básico, a mulher policial e, na área privada, a mulher camponesa, todas passarão a ter uma regra que, definitivamente, dificulta qualquer um a se aposentar antes de morrer.

Um servidor com dez anos de serviço, por exemplo, já contribuiu pelo salário integral por por todo esse período. Se a reforma passa e ele tem que se aposentar pelo teto do INSS, ele recebe de volta o que contribuiu a mais? Isso entra nas regras de transição que o governo está anunciando?

O deputado Arthur Maia anunciou que talvez tivesse uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram antes de 2013, mas isso não está no texto que ele apresentou ontem (7) em uma reunião na casa do presidente da Câmara. Só acrescentou no texto uma regra para os policiais que, se mortos em serviço, a viúva poderá fazer jus à pensão integral, que antes estava limitada a dois salários mínimos. Esta foi a única mudança. Portanto, a reforma, como está, continua perniciosa, atingindo os servidores públicos, em especial, os anteriores a 2013 e os que ingressaram antes de 2003, que, de uma hora para outra, terão que trabalhar mais cinco ou seis anos, inclusive, em alguns casos, como forma de pedágio. Um outro agravante desta reforma é que o servidor público não fará mais jus à integralidade do abono de permanência. Ou seja, o abono de permanência não será mais equivalente ao valor da previdência descontada. Estados, municípios e a União poderão estabelecer valor inferior àquilo que foi descontado a título de previdência daqueles que já cumpriram os requisitos da aposentadoria. Lembrando também que ele não receberá o teto do INSS. O servidor receberá 80% da média desde julho de 1994, incluindo todos os salários, inclusive os da iniciativa privada. Todos cairão em uma mesma vala. Excluíram o fato de que o servidor público faz jus à aposentadoria integral porque ele contribui sobre tudo, foi admitido mediante concurso de provas e títulos, inclusive, com dedicação exclusiva voltada para atender um conjunto específico de exigências do trabalho público.

Estudos e até a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência Social comprovaram, em relatório aprovado em outubro de 2017, que a Previdência Social não é deficitária, mas, sim, alvo de má gestão, contradizendo o discurso governamental. Isso vale, no entanto, para o Regime Geral. No regime próprio, parece que existe mesmo um déficit. É verdade? Por que há esse déficit?

O regime próprio tem necessidade de financiamento sim, resultando de uma série histórica de desgoverno, de falta de previsão e de organização. Há municípios e estados que durante muito tempo pegaram o dinheiro dos contratos dos servidores e botaram no caixa único, não constituíram fundos nem reservas para garantir a aposentadoria dos servidores. Na União, a mesma coisa: o servidor público historicamente contribuía (inicialmente até 1970) com o benefício de risco e atenção por morte, mas esse dinheiro foi para o extinto Ipase [Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado], e quando incorporaram o Ipase aos demais institutos, o dinheiro sumiu. Desde 1993, todo servidor público paga para sua aposentadoria integralmente, e o governo não aportou a contribuição do empregador, aportou somente a chamada contribuição 2 por 1, a exemplo da iniciativa privada. É óbvio que isso redundou em um desequilíbrio na conta, não houve reserva, não houve previsão e, hoje, todo dinheiro sai do valor recolhido e do conjunto do orçamento fiscal. Tem ainda outro agravante com a Constituição de 1988: quase 400 mil celetistas que estavam há cinco anos trabalhando na administração pública foram efetivados e, a partir do dia seguinte da Constituição, apesar de antes terem direito aos regramentos da CLT, esses trabalhadores passaram para o Regime Jurídico Único, com direito à paridade. Inclusive alguns recorreram depois à justiça para reivindicar o fundo de garantia. Só isso impactou decisivamente na conta que se tem de aposentadoria do conjunto dos servidores públicos.

Esse rombo na previdência pública então existe?

Há um desequilíbrio e necessidade de financiamento. Mas em função do quê? Primeiro, a aposentadoria do servidor público já foi privatizada, o governo Fernando Henrique fez a mudança na Constituição e o governo Lula em 2012 sacramentou com o advento da Funpresp [Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo]. É óbvio que nós temos uma situação já resolvida, não há mais aposentadoria no serviço público com valores superiores ao teto do INSS. É óbvio então que tem que se resolver a questão envolvendo o passado, e isso só se resolveria definitivamente como o governo quer.

Na sua avaliação, onde o governo deveria realizar reformas para equilibrar as contas da Previdência Social?

No que diz respeito à previdência do servidor público, é fazer valer o que está lá na Constituição, no artigo 40: a previdência do servidor público é mantida com os recursos oriundos do desconto do servidor, do ente público e do orçamento fiscal. No que diz respeito à previdência do INSS, temos que ter ajustes no que tange aos grandes desvios que existem de renúncia fiscal, de incentivo a setores da economia com dinheiro do aposentado. Há uma série de isenções que foram construídas ao longo do tempo e nos mostram que na arrecadação tributária federal, cerca de 23% são renúncias, isenções e dinheiro desviado por fraude. É obvio que dos quase R$ 2 trilhões do montante arrecadado, se tivéssemos uma melhor gestão, não faltaria dinheiro para a previdência.

Quais são as suas expectativas em relação a uma possível votação da reforma nos próximos dias?

É complicado fazer qualquer previsão. Mas se vê muito claramente que o governo está jogando com todas as forças. Ele tem a caneta para os cargos, o cofre para distribuir verbas, inclusive a verba publicitária para falar com os principais comunicadores do país em rede aberta, com a presença do principal garoto propaganda da reforma, que é o próprio presidente. Então, o jogo é muito pesado, e as forças sociais, as centrais sindicais, os movimentos de trabalhadores em geral não têm esse cacife todo. A única coisa que pode fragilizar a possibilidade de sucesso do governo é, de fato, o medo da urna que se aproxima mais a cada dia, fazendo que os senhores deputados não queiram mexer nesse abelheiro agora. Portanto, temos que continuar na luta, temos que continuar combatendo essa reforma porque ela não virá para melhorar a vida do trabalhador, muito pelo contrário.

Notícia da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Fonte:  ANFIP

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