Demissão sem justa causa pode estar com os dias contados
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode acabar, ainda no primeiro semestre de 2023, com o processo de demissão sem justa causa, quando o empregador dispensa o empregado sem uma justificativa. A ação contesta a constitucionalidade do decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997, que cancelou a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT.
A convenção delimita que não pode haver término da relação de trabalho de um funcionário a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Caso o trabalhador considere sua demissão como injustificada, e a convenção prevê o direito de recorrer perante um organismo neutro, como um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro.
Ainda de acordo com a convenção, o empregador não pode utilizar, como argumentos para demissão do empregado, envolvimento em atividades sindicais, ser representante dos empregados, apresentar queixa ou participar de procedimento contra o empregador por violação de lei ou regulamentos, a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social, ausências por motivo de doença, acidente ou licença maternidade.
O julgamento do STF discute a validade do decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso que cancelou a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT. Pelos termos da Constituição Federal, o Congresso Nacional tem como competência resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais. “Desse modo, o julgamento pode determinar se o decreto de FHC é válido e o Brasil cancelou sua adesão à Convenção 158, ou se é inconstitucional e o país permanece aderente à Convenção 158”, explica a advogada trabalhista Viviane Rodrigues, 39 anos.
A ação tramita no STF desde 1997. O processo inicial contra o decreto de FHC foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). A última movimentação no processo ocorreu em novembro de 2022, quando os ministros analisaram em plenário virtual e votaram de maneira eletrônica. O ministro Gilmar Mendes apresentou pedido de vista e suspendeu a discussão.
Neste ano, no entanto, um novo prazo regimental de 90 dias passou a valer na Corte. A partir de 1º de fevereiro, o STF terá três meses para devolver os processos e retomar os julgamentos. Ao fim do prazo, o caso fica liberado para julgamento. O processo já conta com oito votos, sendo cinco favoráveis à inconstitucionalidade do decreto. Porém o cenário segue ainda indefinido, pois os ministros podem alterar seus votos e ainda restam três votos pendentes de apresentação.
A advogada Viviane observa que mesmo que o decreto seja considerado inconstitucional e STF determine que a Convenção seja válida, a nova regra não será aplicada automaticamente. “Tanto a Convenção quanto a Constituição Federal determinam que uma lei, que deve ser complementar, precisa ser editada para que a convenção surta efeitos”, lembra. Viviane também pondera que a Convenção não proíbe demissões sem justa causa nem impacta no número de contratações. “O pior cenário não se trataria de proibir dispensas sem justa causa, mas da possibilidade de que uma motivação baseada na capacidade ou no comportamento do empregado ou nas necessidades da empresa seja requerida para validade da dispensa”, ressalta.
Washington Barbosa, mestre em direito das relações sociais e trabalhistas esclarece que, na realidade, a Convenção não acaba com a demissão sem justa causa. “Ela tão somente estabelece medidas para prevenir demissões por filiação política, sindical, discriminatórias, entre outras, e, antes de efetivada a demissão, ela recomenda que seja dado o direito à defesa do empregado”.
Para o sócio do Ambiel Advogados e especialista em direito do trabalho Carlos Eduardo Ambiel, essas regras, na verdade, trariam maior burocracia para as empresas, uma vez que a própria convenção estabelece, em caso de demissões injustificadas, indenização.
“O Brasil já tem proteção contra dispensa sem justa causa. Só quando o empregado é dispensado por falta disciplinar, mau comportamento ou desempenho, que é por justa causa, ele perde a indenização. Mesmo quando a demissão é por questões econômicas ou tecnológicas, ele ganha indenização. Somos mais protetivos que a convenção”, diz Ambiel.
Os especialistas destacam que o que está em discussão no STF não é a constitucionalidade da Convenção, mas, sim, a forma como o Brasil saiu dela. E, caso o entendimento seja de que essa forma não foi adequada, o Brasil voltará a ser signatário da Convenção, cabendo ao atual presidente encaminhar proposição para o Parlamento.