Crise e Reforma dão gás à Previdência Privada

Prestes a completar 11 meses, Helena Moreira Vial arrisca seus primeiros passos sob o olhar atento da bisavó Suzel Macarthy Moreira, 87 anos, que ampara suas quedas. A assistente social aposentada espera, de alguma forma, também poder auxiliar a bisneta no inicio de sua caminhada na vida adulta. Foi essa a razão que a levou a contratar um plano de previdência privada assim que Helena nasceu, repetindo a conduta zelosa que já virou tradição na família. Ao longo de três décadas, Suzel e o marido, Earle, professor universitário aposentado, presentearam quatro netos e dois bisnetos com um plano de previdência.

Neta mais velha do casal, Mariana, 32 anos, mãe de Helena, foi a primeira a receber “algo mais sólido” como presente de nascimento. Na época, Suzel e Earle optaram por uma poupança Nada de roupas que serviriam por poucos meses ou brinquedos que pudessem ficar esquecidos em um canto Dois anos depois, quando a segunda neta nasceu, Suzel, responsável pelas finanças da casa, foi convencida pelo gerente do banco a mudar o investimento para obter melhores rendimentos. A exemplo dos Moreira, muitos brasileiros estão se tornando mais precavidos em meio à crise e ao debate sobre a reforma da Previdência. O número de pessoas que guardam dinheiro seja para complementar a aposentadoria ou a poupança de longo prazo, como es netos e bisnetos de Suzel e Earle, vem aumentando. Ano passado, houve crescimento de 4,5% na quantidade de beneficiários de planos de previdência complementar aberta (que podem ser adquiridos por qualquer um em bancos e seguradoras) em relação a 201.5, chegando a 13,06 milhões. Os aportes saltaram 20%, para R$ 114,72 bilhões No sistema fechado, os fundos de pensão (planos criados por empresas e voltados exclusivamente aos funcionários), o número de participantes se mantém estável, em torno de 2,5 milhões. Mas os ativos avançaram 10% em 2016, totalizando R$ 790 bilhões.

O crescimento do mercado é um fenômeno mundial, alavancado principalmente pelo aumento da expectativa de vida No Brasil, há um ingrediente extra: o debate sobre a reforma da Previdência Social. De acordo com o economista Renato Fragelli, professor da Fundação Getúlio Vargas, à medida que a aposentadoria pública começa a se tornar menos generosa, a opção privada ganha espaço para avançar – A previdência privada surge para complementar uma insuficiência da pública Está ficando cada vez mais patente para a sociedade que precisamos fazer a reforma da Previdência, pois não vai haver dinheiro para pagar o que está prometido. Não sabemos se a reforma passa neste governo, mas o próximo vai ter de fazer, senão voltará a hiperinflaçâo. Não é novidade que o pais está envelhecendo. Em três décadas, a expectativa de vida aumentou em 13 anos, chegando a 75,5 anos E a taxa de fecundidade está em declínio – se nos anos 1980, cada mulher tinha, em média, 4,07 filhos, hoje esse número caiu para 1,57. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, em 2060, para cada cem integrantes da população economicamente ativa, haverá 63 idosos. Hoje, é cem para 21. Mesmo assim, a previdência pública já tem despesas maiores do que as receitas.

No ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) teve déficit recorde de R$ 149,73 bilhões. De acordo com o consultor e atuário Sérgio Rangel, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, em meio ao cenário de incertezas, a previdência privada se revela “forte opção de proteção social”, com perspectiva de ocupar espaço ainda maior – Ser previdente é trilhar uma vida um pouco mais orientada para o amanhã. Isso é bem dificil, mas as pessoas já perceberam que viverão mais tempo do que seus pais e avós. Essa consciência de longevidade acaba nos impulsionando a refletir sobre como será a nossa vida daqui a 20 ou 50 anos. Em tempos de crise econômica, esses sentimentos acabam se intensificando.

INVESTIDOR TEM MAIOR PODER AQUISITIVO E ENSINO SUPERIOR

Especialista em direito previdenciário, a professora Thaís Riedel, da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que a previdência privada tem papel complementar e não substitui a pública. Como as pessoas, em geral, “não têm disciplina suficiente para poupar”, são obrigadas a contribuir pelo sistema oficial para evitar um “problema social” para o governo no futuro: – Nesse sistema obrigatório, há uma solidariedade. O empregado, o empregador e a sociedade contribuem. Só que o INSS não vai te garantir poder aquisitivo. Você vai receber a média das contribuições. Hoje, o teto para aposentadorias do INSS é de R$ 5.531,31, enquanto o salário médio do brasileiro gira em torno de R$ 2 mil. Esses números ajudam a entender por que quem investe em previdência privada tem Ensino Superior e maior poder aquisitiva A postura previdente garantiu a Suzel e Earle uma aposentadoria tranquila Além de previdência, também investiram em imóveis e poupança. Mas a preocupação com o futuro é a principal herança que pretendem deixar para filhos, netos e bisnetos: – Se ganho R$ 100, tenho de guardar R$ 10. Não adianta querer viver só o momento, tem de pensar no faturo – diz Suzel.

Proteção para novos papéis na aposentadoria

A preocupação com o futuro começou cedo para José Eray Martins e Silva, 73 anos. Duas décadas antes de se aposentar da Petrobras, aderiu ao plano Petros assim que o fundo de pensão da estatal foi criado, em 1970. A mesma decisão foi tomada pela maioria dos seus colegas. Afinal, conta, era um sonho antigo dos funcionários da empresa e uma espécie de salvaguarda para manter a qualidade de vida num futuro não tão distante. A aposentadoria chegou em 1991. Passado o baque inicial da mudança de rotina que cumpriu ao longo de quase três décadas, Eray se permitiu desfrutar do tempo livre. O teatro virou um dos seus hobbies preferidos. Desde 2003, participa do grupo Tanabeira, que reúne atores e atrizes maduros e nasceu nas dependências do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS). Recentemente, também começou a participar dos ensaios do grupo da Casa do Poeta de Canoas. O aposentado não se arrepende de ter investido na previdência complementar, e aconselha quem puder a fazer mesmo. De acordo com ele, o valor recebido da fundação Petros permite que tenha um padrão de vida bem melhor do que se recebesse só o beneficio pago pelo INSS. Hoje, seus vencimentos totais correspondem a aproximadamente 90% do que receberia se ainda estivesse na ativa. – Acho que a gente deve se preparar, fazendo algumas reservas. Quando te aposenta, mesmo que se aposente bem, o salário diminui e, por outro lado, as despesas aumentam, com mais consultas, remédios. Para mim, todo mundo deveria ter uma aposentaria digna. Porque a aposentadoria não é o fim, é o início de uma nova vida – reflete. Pai de Daniel, 38 anos, Eray agora tem outros planos. O aposentado vai ganhar um novo papel em novembro, talvez um dos mais importantes que irá desempenhar em sua vida: o de avô. À espera de Henrique, o primeiro neto, ele sabe que, para esse personagem, não adianta ensaiar. O segredo é apenas curtir o presente.

Passar a poupar é desafio para os brasileiros

Atualmente, o Brasil tem cerca de 20 milhões de aposentados pelo INSS, sendo que, de cada três, dois ganham um salário mínimo. Consultora e professora de psicologia econômica na ESPM, Luciane Fagundes avalia que a relação do brasileiro com o seu futuro financeiro é de “despreocupação e imprevidência”. Ou seja, a maioria da população está desprotegida para enfrentar os desafios de uma longevidade cada vez maior. – Essa é uma questão fundamentalmente comportamental. E preciso mudar nossa relação com o dinheiro e encarar a previdência complementar como necessidade básica, assim como já fazemos com a saúde suplementar, afinal, ninguém deseja ter de depender do SUS. Daqui para frente, cada um será responsável por complementar a aposentadoria oficial, viabilizando a sua sustentabilidade financeira – diz Luciane. A psicóloga lembra que o hábito de poupar para o futuro é uma prática que exige frequência, regularidade e, sobretudo, antecipação: quanto antes começar, melhor. Segundo Luciane, o grande desafio é conscientizar os jovens que encaram o futuro como algo ainda muito distante e intangível: – Nada mais doloroso e indigno do que chegar à velhice e não dispor de recursos e ter de depender da ajuda de terceiros ou precisar continuar trabalhando forçosamente. Com o aumento da nossa longevidade, crescem também nossos riscos. Além de precisarmos de fôlego financeiro, estaremos mais expostos a vulnerabilidades, como doenças incapacitantes e invalidez. Pensar e agir buscando independência e autonomia econômica é sinal de maturidade financeira.

MAIS DE 90% DAS RESERVAS CONCENTRADAS EM SETE PAÍSES

Apesar de estar em crescimento, o mercado da previdência complementar aquela na qual qualquer pessoa pode contratar um plano em bancos e seguradoras – ainda engatinha no Brasil. São pouco mais de 13 milhões de beneficiários. Estudo feito pela Willis Towers Watson, empresa global de consultoria, mostra que apenas sete países reúnem hoje 91,7% das reservas globais de previdência privada. Líder do ranking a Holanda conta com US$ 1,3 trilhão em ativos, correspondente a 168,3% do PIB. O país tem 17 milhões de habitantes e expectativa média de vida de 81,7 anos. Lá, além da previdência pública, foi criado um “segundo pilar”, financiado por contribuições obrigatórias. Quando contratado, o empregado é automaticamente inscrito em um plano de previdência complementar. No final do ano passado, o total de ativos nos 22 principais mercados mundiais somava US$ 36,99 trilhões, alta de 4,3% em relação a 2015. Conforme a Willis Towers Watson, na última década, o Brasil (8%) foi o quarto país com a maior taxa de crescimento, atrás de México (11,8%), África do Sul (9,7%) e Chile (9,2%).

“O país é viciado no chamado `curtoprazismo”

Um dos maiores especialistas do país em previdência e finanças públicas, o economista Fábio Giambiagi entende que a educação financeira deveria ser disciplina obrigatória no Ensino Médio. Segundo ele; mais do que reformar o sistema previdenciário, o Brasil tem um desafio cultural pela frente para fazer com que os jovens se preparem para a aposentadoria. Como avalia o desempenho do Brasil frente ao de outros países? Diria que estamos na Série B, mas no G-4 da Série B. Não temos o desenvolvimento institucional de países como Inglaterra ou Estados Unidos, mas, entre as economias emergentes, estamos bem situados. Temos tido uma série de problemas, a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) precisa melhorar, precisamos nos preparar muito melhor para o contexto de juros baixos, mas remos regras que têm sido aprimoradas com o tempo, instituições fortes financeiramente e boas perspectivas. O governo deveria estimular as pessoas a contratarem planos? O principal desafio é cultural: temos de introjetar desde cedo no jovem a consciência de que um dia ele vai ter 65 anos, e se não se preparar durante 40 anos para esse dia, sua vida no futuro pode enfrentar série de problemas. Sou contra, no atual contexto, dar benefícios tributários, que não podem ser comportados no contexto fiscal. Qual é o perfil dos investidores? O perfil ideal do investidor deve ser o de alguém precavido, com visão de longo prazo e disposto a correr riscos moderados, com responsabilidade. Mas o país é viciado no chamado “curtoprazismo”. Uma das coisas nas quais o Brasil deveria pensar é em instituir o curso obrigatório de educação financeira no segundo ano do Ensino Médio, complementado por outro de educação previdenciária no terceiro.

Expansão dos fundos fechados não afasta riscos com fraude e má gestão

A presidência fechada (fundos de pensão dos quais participam somente os empregados ligados a uma mesma empresa, envolve um número menor de participantes do que a aberta – são 2,5 milhões contra 13 milhões de beneficiários – mas tem peso maior no total poupado. Por isso, ameaças ao sistema são vistas com atenção. A lei que possibilitou a criação de fundos de pensão no Brasil completou 40 anos no mês passado. Nesse período o pais se transformou no 10° sistema fechado de previdência no mundo, segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), com ativos equivalentes a quase 13% do PIB. Cerca de 750 mil pessoas recebem, em média, R$ 5 mil por mês. Só que isso não basta para dar imunidade ao sistema. No ano passado, os fundos de pensão registraram déficit de R$ 70,6 bilhões, conforme a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). O rombo gera apreensão entre participantes devido ao crescimento acelerado: em quatro anos, o salto foi de 700% – em 2012, o saldo negativo era de R$ 9 bilhões Casos de fraude e má gestão também preocupam. Em 2016, a Polícia Federal deflagrou a Operação Greenfield, que investiga desvios bilionários em quatro dos maiores fundos do país: Postalis (Correio), Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa). O prejuízo foi estimado em R$ 8 bilhões. Suspeitas de irregularidades motivaram a criação de CPI na Câmara. A especialista em direito previdenciário Thais Riedel, professora da Universidade de Brasília (UnB), sugere que o beneficiário esteja sempre atento à saúde financeira do plano que faz parte. – Dentro da previdência fechada, se der déficit, o Estado não banca. É como se fosse um condomínio, está todo mundo no mesmo barco – compara. Na avaliação do presidente da Abrapp, Luis Ricardo Martins, os problemas são pontuais e não comprometem a credibilidade do sistema. Ele admite que o atual modelo enfrenta um momento de estagnação, devido ao aumento das taxas de desemprego e, principalmente, da mudança no perfil dos trabalhadores. Se antes as pessoas ficavam 20 ou 30 anos no mesmo emprego, as carreiras corporativas, hoje, estão mais instáveis. – O sistema tem solidez, paga em dia, mas, de fato, passa por essa mudança de perfil do novo potencial participante. Então, é preciso se reinventar e se modernizar para esse novo trabalhador. É isso que estamos fazendo agora – diz Martins, destacando que esse “novo produto” deve ser flexível e sem burocracia. Para fomentar o sistema fechado, a entidade defende mudanças na legislação. Entre elas, a possibilidade de inclusão de familiares até terceiro grau e a criação de planos contemplando setores da economia, a exemplo do que ocorre em países como Holanda. Conforme Martins, os fundos de pensão devem ser vistos como parceiros do governo: – As entidades fechadas de previdência complementar são parte da solução dos problemas do país. Precisamos incentivar a poupança de longo prazo para que nós, enquanto investidores institucionais que somos, para rentabilizar essas reservas acumuladas, possamos ajudar o Brasil a solucionar problemas macroeconômicos e a investir em infraestrutura.

Com qual plano eu vou?

Comparar opções de previdência privada, simular valores e questionar gerentes de banco sobre as condições dos planos pode fazer toda diferença entre uma aposentadoria de bonança ou de aperto. Embora possam parecer semelhantes – produtos que devolvem a soma das economias, com correção, ao final do período de contribuição -, os detalhes nos contratos e as escolhas feitas pelo poupador são cruciais. – Os planos cobram taxas de administração, e quando são muito altas, corroem fatia importante do valor guardado – alerta o consultor financeiro Adriano Severa O calculo é simples: se um plano cobra taxa de administração de 3%, e em um ano o rendimento bruto fica em 6%, metade ficará nas mãos do banco. Algumas instituições cobram taxa de carregamento (uma leve mordida sobre cada depósito ou saque), o que deixa a conta ainda mais cara. Mas as tarifas nem sempre moram nas nuvens.

— As taxas costumam cair conforme cresce o valor guardado. Quem começa aplicando um valor mais alto ou faz o patrimônio subir rapidamente com os aportes mensais encontra taxas mais amigáveis – explica o professor do curso de Finanças e Banking da PUCRS Edgar Abreu. Escolhido o plano, será hora de definir sua roupagem: optar ou não pela modalidade com abatimento do Imposto de Renda? Escolher regime progressivo ou regressivo? E se a empresa na qual se trabalha oferecer um plano próprio de previdência, vale a pena aderir? – O que pesa a favor dos planos de previdência são os benefícios tributários. É preciso formatar o plano de maneira que essas regras trabalhem a favor do poupador – afirma André Bona, consultor financeiro e autor do Blog de Valor. Muita gente se pergunta, ainda, qual a melhor hora para começar a economizar, e quanto ganhar a cada mês. Vale a pena começar a poupar faltando poucos anos para a aposentadoria? E quem nunca guardou dinheiro nem para emergência, pode se julgar pronto para a previdência privada? – Embora não haja restrição ao saque antecipado, desde que se respeite a carência de 60 dias do inicio do plano, quem toma essa decisão pode acabar perdendo os benefícios tributários – lembra Fábio Augusto Souza, superintendente da empresa de seguros e previdência Mongeral Aegon em Porto Alegre. A previdência privada é o caminho mais curto para se preparar para a aposentadoria sem depender do INSS, mas não o único. Criar a disciplina de guardar, mês a mês, uma quantia pode multiplicar rapidamente as economias, em razão de rendimentos nos títulos do Tesouro ou CDBs, por exemplo. Mas também traz desafios: evitar de falhar a poupança em alguns meses, reajustar por conta própria os valores e – muito importante – resistir ao impulso de sacar o valor antes da hora.

Fonte: cwa clipping.net

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