Com reformas, juros baixos vieram para ficar, afirma economista-chefe do Credit Suisse
O economista-chefe do banco Credit Suisse, Leonardo Fonseca, avalia que o Brasil tem de seguir com a agenda de reformas para que a taxa básica de juros permaneça em um patamar baixo. Após as mudanças na Previdência, ele diz que o governo tem de fazer a reforma administrativa e discutir os gastos obrigatórios para diminuir a rigidez do Orçamento.
“Demos o primeiro passo com a aprovação da reforma da Previdência. Lógico que a situação não está completamente resolvida em termos de solvência do setor público. Mais medidas precisam ser aprovadas para garantir, num horizonte de cinco a dez anos, que a dívida como proporção do PIB comece a se estabilizar e, posteriormente, passe a cair”, afirma.
Hoje, o banco estima que a economia deve crescer 2,7% no ano que vem, umas das previsões mais otimistas do mercado. Uma eventual reversão da agenda de reformas, no entanto, pode frustrar as expectativas de uma aceleração mais consistente da economia brasileira, segundo Fonseca.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Qual é a expectativa para a economia brasileira neste e no próximo ano?
Estamos com a expectativa de que a economia se recupere. De fato, a gente já tem visto alguma retomada na margem. A partir do segundo trimestre, o crescimento surpreendeu um pouco o mercado. E no terceiro trimestre a gente começa a ver uma possibilidade de o PIB ficar perto do que foi no segundo trimestre. E tem toda a expectativa desses juros mais baixos.
Por que o crescimento decepcionou nos últimos anos?
Houve uma série de eventos negativos que tiveram impactos sobre a economia desde meados do ano passado. Começou com a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, depois vieram as incertezas com as eleições e a crise da Argentina. A expectativa de crescimento era de 3% (para 2019) e rapidamente mudou. Além disso, houve Brumadinho no começo do ano e todo o cenário de guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que teve um impacto importante sobre as principais economias do mundo.
Com a ajuda dos juros mais baixos, qual é a previsão para o crescimento da economia?
A expectativa é que, conforme parte desses impactos saia do horizonte, todo esse efeito positivo de juros mais baixos vá se sobrepondo e faça com que a economia atinja um ritmo de crescimento mais próximo de 2,5%. Nossa projeção é de 2,7% para o ano que vem.
O que explica os juros estarem tão baixo?
A perspectiva no começo do ano era bem diferente porque havia um cenário global muito distinto. A gente tem de lembrar que, no fim do ano passado, toda a expectativa do mercado era de que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) desse prosseguimento ao ciclo de alta dos juros nos Estados Unidos. E, a partir da guerra comercial entre EUA e China, o Fed adotou uma postura mais acomodatícia, no sentido de tentar evitar uma desaceleração mais forte da economia americana. Outro ponto importante foi o comportamento da inflação.
Esses dois componentes, adicionado ao fato de a economia não ter se recuperado no ritmo que se imaginava no começo do ano, fizeram com que o cenário para a política monetária se alterasse de forma significativa e permitisse que o Banco Central pudesse dar início a um novo ciclo de queda de juros. A gente espera que a Selic chegue a 4,5% no fim desse ano e se mantenha nesse patamar ao longo de todo o ano que vem.
Qual tem sido o impacto desse patamar dos juros para a economia?
Se olharmos a composição de crédito livre e direcionado, já teve uma mudança bastante grande. Hoje, 92% das concessões são representadas pelo crédito livre. Então essa é a primeira implicação que os juros mais baixos trazem para a economia, essa substituição de recursos que antes vinham de crédito direcionado, mais especificamente do BNDES e de outras linhas subsidiadas.
Outro impacto é sobre o nível da taxa de câmbio. O Brasil aprovou a reforma da Previdência, e o câmbio ficou ali nos R$ 4. De certa forma, reflete um pouco desse ambiente de juros mais baixos. O Banco Central implementa esse ciclo de afrouxamento monetário, de forma correta, porque o cenário permite. Mas o impacto dos juros mais baixos é de reversão dos fluxos do Brasil com o exterior. Nós temos hoje a saída de dólares de algumas contas que, no passado, permitiram que o câmbio ficasse em patamar mais apreciado.
O Brasil vai continuar com juros mais baixos ou há riscos pelo caminho?
Eu acredito que (os juros baixos) vieram para ficar. É logico que, quando eu falo que vieram para ficar, eu estou colocando também a expectativa de que o país continue caminhando na agenda de reformas. Demos o primeiro passo com a aprovação da reforma da Previdência. Lógico que a situação não está completamente resolvida em termos de solvência do setor público. Mais medidas precisam ser aprovadas para garantir, num horizonte de cinco a 10 anos, que a dívida como proporção do PIB comece a se estabilizar e, posteriormente, passe a cair.
O sr. pode exemplificar quais medidas são necessárias?
O governo já tem toda a discussão sobre a reforma administrativa, que seria um passo nessa direção. Há também a discussão sobre os gastos obrigatórios. O maior problema do Orçamento é esse engessamento. O primeiro grande passo foi dado e eu acredito que, se o Brasil continuar nessa trajetória, o juro vai permanecer, sim, em um patamar baixo para padrões históricos. Não acredito que os 4,5% sejam o novo nível de equilíbrio, alguma normalização você tem à frente, mas para patamares certamente menores do que eram há pouco tempo.
Qual é esse novo ponto de equilíbrio?
Tem uma grande incerteza nessas estimativas, mas os modelos que a gente prefere mostram algo próximo de 3% ou 3,5% ao ano de juro real. Se a gente colocar a inflação de 3,5%, que é a meta de longo prazo, a gente estaria falando de uma taxa Selic de 6,5% ao ano.
O governo ainda tem dificuldade de organizar uma base de apoio. De onde vem a certeza que as reformas vão continuar a serem aprovadas?
A agenda depende muito do ambiente político do país. Estamos falando de uma agenda econômica que não é um monopólio do governo. A gente vê um ambiente favorável para a continuidade desse processo porque há um suporte tanto da Câmara quanto do Senado.
Quais os riscos dessa agenda perder força?
Se o crescimento não voltar por algum motivo e o desemprego continuar alto, a pressão sobre essa agenda aumenta. Ou seja, vai ter muita gente que vai começar a questionar se, de fato, esse é o melhor caminho para o Brasil. E certamente agendas alternativas ganharão força. Uma agenda possível seria flexibilizar mais os gastos fiscais, algo que sempre é debatido no Brasil. Se o país sair desse caminho de reformas, tentar uma solução de mais curto prazo, de estímulo à demanda doméstica via gasto do governo, a gente estaria falando de um cenário diferente dessa expectativa de que a Selic permanecerá baixa por um tempo maior.
Houve um debate recente sobre flexibilizar o teto de gastos para acelerar o investimento do governo. O investimento privado vai conseguir suprir o investimento público?
Os juros mais baixos vão permitir também um processo de desalavancagem grande por parte das empesas e isso fará com que, num cenário de maior normalidade, o investimento privado e, consequentemente, a economia voltem a crescer. Não vai ser no mesmo ritmo em que era, por exemplo, quando a economia global crescia muito. O Brasil era beneficiado por um crescimento da China de 10% ao ano e ainda tinha consumo do governo, o investimento do governo, crescendo num patamar mais alto. Mas esse modelo chegou ao fim.
O emprego é fundamental para a recuperação do consumo das famílias. Qual é avaliação do mercado de trabalho?
O comportamento da população ocupada tem sido até mais forte do que os modelos indicariam. E isso está acontecendo, em alguma medida, por causa do mercado informal desde meados do ano passado. Mais recentemente, a gente começa a observar o mercado de trabalho formal reagindo de forma mais favorável. Nos últimos dois, três dados do Caged, se vê isso claramente. Já observa, na margem, o ritmo de geração de vagas no mercado formal recuperar e começa a ver um processo mais favorável em setores que são normalmente mais cíclicos.
Em qual setor é possível notar esse movimento?
Se você olhar, por exemplo, toda a construção civil que, em outros momentos de retomada foi um setor que se recuperou antes em relação aos demais, nessa recuperação não tinha nenhum sinal favorável. Nos últimos dados divulgados, é possível ver alguns sinais de melhora desde o PIB do segundo trimestre, olhando pelos dados do próprio Caged e dos indicadores de expectativas. São sinais que estão começando a ganhar um pouco mais de forma e, talvez, a gente já esteja entrando num período de aceleração.
A Selic está em queda, mas os juros ainda não caíram na mesma magnitude para o cidadão. Quando isso deve ocorrer?
Desde a administração anterior, o Banco Central tem uma preocupação com o spread bancário. Essa preocupação se deu no último ciclo. Houve uma queda da Selic, de 14,25% para 6,5%, num primeiro momento, mas os spreads, os juros bancários, não acompanharam. Se a gente analisar outros ciclos de afrouxamento, (os juros) não caíram num ritmo similar ao que seria sugerido pela queda da Selic. Estamos entrando num segundo ciclo de afrouxamento, iniciado neste ano.
Dessa vez, já começamos a ver, na margem, esse efeito mais favorável do ciclo de afrouxamento sobre o mercado de crédito bancário, com os juros se reduzindo. Se a gente pegar esse cenário de juros baixos e acrescentar todas as medidas que o Banco Central vem tentando aprovar para a redução dos spreads, é provável que isso também seja repassado mais rapidamente ao consumidor.
Fonte:https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/10/31/com-reformas-juros-baixos-vieram-para-ficar-afirma-economista-chefe-do-credit-suisse.ghtml