Cerco se fechando sobre as contas públicas
Frustração de receitas é pouco para definir o que aconteceu com a arrecadação de tributos, impostos, vendas de estatais, concessões, Refis, repatriações, toda sorte de instrumentos disponíveis e lançados pelo governo para manter as contas públicas sobre controle. Este “sob controle” está longe de ser uma noção de segurança e alívio, já que o rombo bilionário dos cofres vai levar anos para se reverter. Ainda assim, se, com todo malabarismo e mudanças importantes, o governo conseguisse cumprir a meta fiscal, ou seja, manter o buraco em R$ 139 bilhões, seria um tipo de alívio no caso do Brasil.
Como já disse o economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawal, para que as contas públicas fechassem o ano dentro da meta, “muita coisa teria que dar certo ao mesmo tempo”. Não deram e, pelo jeito, tem mais coisa para dar errado ainda. Não só as receitas esperadas não vieram – por vários motivos – como as que vieram emagreceram, para dizer o mínimo. Com a decisão de adiar o lançamento do edital de venda de usinas da Cemig, anunciado pela Aneel, ficou praticamente impossível encher o cofre até faltar R$ 139 bi.
Não valendo milagre, a solução pode estar em cortar no “osso”, porque na “carne” já foi um bocado. A conta de investimentos públicos já praticamente secou, especialmente depois do corte de mais de R$ 7 bi do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Com as limitações constitucionais, cortes mais profundos em rubricas obrigatórias só podem ser feitos com mudanças o Congresso Nacional – caso da reforma da Previdência.
O governo pensa em mexer em benefícios, naquela quantidade absurda de “auxílios” a funcionários especiais dos três poderes e que consumiram, só em 2016, mais de R$ 16 bi, segundo reportagem do Estadão de domingo. Também está na lista de possibilidades adiar os reajustes concedidos por Michel Temer a diversas categorias. A motivação é emergencial, mas o propósito pode ser maior. Os ganhos que os “auxílios” dão aos servidores que os recebem, muitas vezes, fazem o salário ultrapassar a meta do funcionalismo público. A correção não seria apenas fiscal, mas também de eficiência, meritocracia e adequação à lei, ora!
O governo não quer falar publicamente sobre este desafio que já virou um monstro, que cresce de tamanho e de cara feia diariamente. Se escolher manter a meta fiscal, será obrigado a interromper serviços prestados ao público e também suspender atividades de muitos órgãos federais – difícil qualificar os efeitos esperados de uma medida assim. Se resolver jogar a toalha, terá que estar preparado para enfrentar a desconfiança dos investidores que não pararam de financiar o Brasil nem sob o caos político.
Argumentos sempre aparecem para ajudar. Todo mundo viu e testemunhou o esforço que a equipe econômica fez para cumprir o prometido. Claro que a crise política fez sangrar uma ferida ainda aberta das contas públicas. Mas isso vai importar menos diante do tempo que passa rapidamente e estrangula a máquina pública brasileira. Qualquer que seja a solução, ou algo híbrido de solução, deve ser feita com total transparência e exigirá um comprometimento ainda maior dos envolvidos. Estamos perdendo o jogo, somos os donos da bola, não dá para mudar as regras ou ir embora do campo porque não fomos bem até agora.
Fonte:http://g1.globo.com