Capitalização em linguagem simples
Wladimir Novaes Martinez
A adoção de um regime financeiro de capitalização para as prestações programadas — aposentadorias por tempo de contribuição, por idade (ou a que pretende substituí-las), do professor e da pessoa com deficiência —, para os trabalhadores e contribuintes do Regime Geral e dos diferentes Regime Próprio, que se filiarem a partir do dia seguinte a aprovação da PEC 6/19 ainda suscita dúvidas.
Reza o art. 201-A da PEC 6/19:
“Lei Complementar de iniciativa do Poder Executivo federal instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva nocional, vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte do ente federativo” (NR).
Não se sabe por que o atual emendador usou a locução “nova previdência” quando tão somente tratou do regime financeiro do plano de benefícios da iniciativa privada. O texto representa algo bem menos complexo do que a Previdência Social.
A introdução dessa novidade reclama esclarecimentos de alguns institutos técnicos previdenciários vigentes e não muito difundido entre os interessados.
Na previdência privada o plano de contribuição definida significa que durante a relação jurídica do participante e entidade gestora das contribuições, o participante tem conhecimento de quanto está aportando mensalmente ao plano de benefícios sem saber efetivamente quanto receberá.
Ele difere do plano de benefício definido, adotado pelo atual Regime Geral da Previdência Social. Esta designação, que não se presta muito para distinguir os tipos de planos (a multiplicidade das fórmulas existentes permite pequenas variações), corresponde, grosso modo, a um tipo do ordenamento em que o valor da renda mensal inicial das prestações é previamente conhecido e está definido nas cláusulas do Regulamento Básico da entidade (vide nosso “Comentários à Lei Básica da Previdência Complementar”, São Paulo: LTr, 2003, p. 68).
Ainda que a divulgação fale em compulsoriedade, do texto antes reproduzido deflui que somente haverá obrigatoriedade caso o interessado venha a aderir a nova modalidade. Se não sobrevir uma campanha elucidativa das suas teóricas vantagens, a maioria não optará.
Uma verdadeira privatização da prestação programada, lembra-se que o nível de solidariedade (quintaessência da previdência social tradicional) é próxima de zero.
Instalar-se-á uma conta vinculada, assemelhada a da caderneta de poupança, em nome do titular e, que, ao final dos 35 ou 40 anos cada um terá um capital acumulado que financiará a renda mensal vitalícia deferida e mantida pelo INSS.
Seria bom se a norma regulamentadora introduzisse a opção entre a renda programada (de mais valor) e a renda vitalícia.
A adoção de um regime financeiro de capitalização para as prestações programadas — aposentadorias por tempo de contribuição, por idade (ou a que pretende substituí-las), do professor e da pessoa com deficiência —, para os trabalhadores e contribuintes do Regime Geral e dos diferentes Regime Próprio, que se filiarem a partir do dia seguinte a aprovação da PEC 6/19 ainda suscita dúvidas.
Sem embargo da comparação não ser inteiramente adequada, é consabido que o sistema chileno de 1985 não obteve o êxito desejado, embora ali a contribuição pessoal do trabalhador tenha sido de 10% dos seus salários. Consta que os benefícios atuais são inferiores à renda média trabalhista dos segurados quando na atividade.
A ideia desse regime financeiro representa uma enorme novidade em matéria de legislação previdenciária, exceto na vigente previdência associativa, isso não foi praticado no Brasil. Esta última cobertura privada é complementar e não básica, caso da OABprev/SP.
Nossos segurados estão acostumados com regime de plano de benefício definido do Regime Geral (a despeito de não compreendê-lo em sua essência técnica). São tantas as variáveis futuras num prazo imaginário de 40 anos de contribuição que resta sem sentido dizer que eles saberiam de antemão o que vão receber, independentemente do que contribuíram.
A PEC 6/19 elaborada pelo Ministério da Economia diz que a pessoa poderá sacar parcialmente os recursos do FGTS para majorar o capital pecuniário dessa sua poupança individual.
Entrementes, se cada um fizer isso, não poderá contar com os recursos fundiários para outros fins, o que é não é protetivo. Ressalta-se que isso dependerá da volição de alguém sem educação previdenciária e ausente a ideia de poupança particular.
Esse mecanismo proposto, um tanto de autogestão, tem de salutar assemelhar-se a atual caderneta de poupança. As pessoas poderão mensalmente saber a somatória do seu numerário acumulado.
Uma simples fórmula atuarial lhe dirá, em cada caso, qual seria a renda mensal vitalícia a receber em razão de sua idade, expectativa de sobrevida do IBGE e dos juros.
É preciso aclarar que, sem falar nas contribuições obrigatórias vinculadas a remuneração do obreiro, como asseverado, outros valores pecuniários poderão ser acrescidos a essa conta individual.
O quantum da contribuição do trabalhador acrescido da parte patronal do salário de contribuição (somente de 8,5%), será depositado em uma conta individual numa instituição financeira pública ou privada de escolha do interessado.
Ainda que apenas solidariamente, não há informação sobre a União garantir juridicamente esses depósitos, no caso de inadimplência dessas entidades investidoras. Elas lembram um pouco as Administradoras de Fundo de Pensão (AFP) chilenas e sua história.
Tem-se que o trabalhador receberá uma comunicação, eventualmente mensal, da somatória do acumulado, que refletirá as aplicações operadas e a base atuarial das futuras prestações.
Espera-se que o preceito constitucional disponha taxativamente sobre a impossibilidade de o Governo Federal autorizar saques para outras finalidades, como historicamente sucedeu com o FGTS.
Questão relevante aqui jacente é a natureza técnica do indexador, consabidamente um problema prático quase insolúvel num país que não tem uma clara ideia do processo inflacionário (fenômeno ausente no regime de benefício definido).
Carece que todos saibam qual o custeio da taxa de administração dessas entidades investidoras, taxa de carregamento, lucro e outros aspectos que diminuem o capital.
De fato, o segurado se tornará um aplicador financeiro e, no mínimo, terá de se inteirar dos números da Bolsa de Valores por 40 anos.
Consta que o titular poderá administrar a aplicação financeira de suas reservas matemáticas, o que reclama correta educação previdenciária e conhecimento da matéria.
Ele poderá escolher a entidade em que o seu dinheiro será investido e a modalidade de gestão dessas reservas.
Julga-se ser absolutamente necessário ser bem compreendido o conceito do instituto da portabilidade, previsto no art. 15 da LC 109/01, amplamente desenvolvido na previdência privada, que é a possibilidade do capital depositado, sem ônus, ser transportado de uma para outra instituição financeira.
Não há referência sobre qualquer exação incidente sobre essa poupança em crescimento, especialmente quando chegar a hora da aposentação.
Esse montante em acumulação não poderá ser utilizado pelo Governo Federal em nenhuma circunstância nem penhorado ou alienado, salvo para o pagamento de obrigações alimentares.
Só resta esperar os debates técnicos no Congresso Nacional e a divulgação final da Emenda Constitucional.
Em suma, para Augusto Tadeu Ferrari-Luis Gushiken-Wanderlei José de Freitas “este método consiste em determinar a contribuição necessária para atender determinado fluxo d0 pagamento de benefícios, estabelecendo que o valor da série de contribuições efetuadas ao longo do tempo, seja igual ao valor da série de pagamento de benefícios que se fará no futuro.
O fluxo desejado de pagamento e de benefícios ser financiado em “n” períodos (meses, por exemplo), de tal forma que, ao se eleger o benefício já estará constituído o valor integral da reserva garantidora do cumprimento da série de pagamentos que se pretendeu, ou seja, na data do benefício (por exemplo, na data da aposentadoria) toda a reserva já estará constituída”.
Este modelo de financiamento constitui reservastanto para os participantes assistidos como para os ativos e obviamente pressupõe aplicação das contribuiçõesno mercado financeiro, de capitais ou imobiliário, a afim de se adicionar valor a reserva que se está constituída” (“Previdência complementar – Entendendo sua complexidade”, São Paulo: Edição CUT, 2003, PP. 70/71).
O jornalista Celso Ming diz que a: “Batalha de convencimento implica comunicação competente, área em que o governo vem apresentando notórias deficiências, seja por falta de coordenação, seja por despreparo” (“A Reforma e a Batalha da comunicação”, in Estadão de 8.2.19 – Economia, B-2).
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*Wladimir Novaes Martinez é advogado especialista em Direito Previdenciário.
Fonte: Migalhas