Auxílio Emergencial: de onde vêm os R$ 600 que o governo irá distribuir?
Quando o governo anunciou que distribuiria um auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais, autônomos e MEIs, muita gente se perguntou de onde sairia esse dinheiro. Nas redes sociais, pessoas se questionavam se o Banco Central mandaria imprimir mais notas para distribuir às pessoas. Outros internautas, especulavam se o dinheiro viria de fundos destinados a outras áreas, como saúde e educação. Pensando em tirar todas essas dúvidas, o ValorInveste.com conversou com especialistas em contas públicas para explicar a origem e as consequências do valor, apelidado de “coronavoucher“.
O valor total estimado pelo governo a ser gasto com esse auxílio está em torno de R$ 98 bilhões. E, não, o governo não tem esse dinheiro agora. A expectativa, inclusive, é de que as contas públicas fechem o ano no vermelho. Mais precisamente, com déficit primário (diferença entre receitas e despesas, incluindo gastos com juros) de R$ 419,2 bilhões, o que representa 5,5% do PIB. Portanto, a forma de o governo conseguir dinheiro para pagar esse auxílio é fazendo dívida.
Mas com quem? Provavelmente, com investidores. Inclusive, pode ser com você. Um dos principais instrumentos de financiamento do governo é a emissão de títulos públicos. Esses ativos são aqueles negociados no famoso Tesouro Direto. Eles são, basicamente, uma forma de o governo tomar dinheiro emprestado da população (e dos bancos ou de quem mais comprar esses títulos), com a promessa de que devolverá esse valor no futuro e com acréscimo de juros.
“Imagine uma pessoa que perdeu o emprego. Ela pega dinheiro emprestado com a família ou no banco. Passa por aquele período e, lá na frente, quando ela recupera o emprego, ela paga o empréstimo que fez. No Brasil, é a mesma coisa. Ele emite títulos hoje, e lá na frente, quando eles forem vencendo, o governo vai pagando”, afirma o professor Marcos Mendes, pesquisador do Insper.
Para pagar esses títulos lá na frente, no entanto, o Brasil precisa arrecadar dinheiro. O professor explica que parte desse aumento da arrecadação pode vir da própria recuperação econômica, que vai gerar mais serviços, mais consumo e mais produtos e, portanto, um PIB maior. Outra parte pode vir de um corte de despesas governamentais. E, por fim, pode haver também um aumento da carga tributária.
Segundo Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getulio Vargas, o país não deve sofrer tanto com os impactos dessa dívida agora, já que o governo tem autorização para estourar o déficit primário. Porém, esse déficit será uma herança para os próximos governos.
É muito ou é pouco?
É um consenso geral de que R$ 600 é pouco dinheiro para sustentar uma família. Porém, os especialistas consideram que esse é o dinheiro que o Brasil conseguiria distribuir nesse momento, sem comprometer tanto seu orçamento e contas públicas.
Tendo em vista que o rendimento médio do trabalhador brasileiro foi de cerca de R$ 2.330 em 2019, segundo dados do IBGE, os R$ 600 representariam pouco mais de um quarto dessa renda.
“É um valor significativo levando em consideração o rendimento médio do trabalhador. Isso sem contar que tem um contingente enorme de pessoas beneficiárias de aposentadoria, benefícios sociais que continuam sendo pagos com regularidade. E os R$ 600 são um valor bem mais elevado do que os valores normalmente pagos nos programas sociais“, afirma o professor Mendes, do Insper.
Mesmo que se comparado ao que outros países estão distribuindo o valor pareça baixo, os especialistas lembram que a realidade das contas públicas do Brasil é diferente.
“Países como Inglaterra e Estados Unidos conseguem distribuir mais porque eles têm uma economia forte. Estamos fazendo o que temos capacidade. Até existiria a possibilidade de o Brasil distribuir mais, gerando uma dívida maior, mas seria uma situação mais crítica lá na frente”, afirma o professor Sampaio, da FGV.
E se a Casa da Moeda imprimir mais dinheiro para distribuir?
A possibilidade de imprimir mais dinheiro para distribuir já foi levantada nas redes sociais. Mas o próprio filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, já se posicionou quanto aos efeitos dessa medida: uma inflação gigantesca.
Isso porque o país estaria colocando mais dinheiro em circulação. Portanto, praticamente todos teriam poder aquisitivo para comprar produtos. A produção desses itens, no entanto, continuaria no mesmo ritmo (que, atualmente, com a quarentena, é bem baixo). Então, não haveria estoque para dar conta de tanta demanda. A solução seria aumentar o preço das coisas, para forçar a demanda para baixo.
“O Banco Central pode imprimir dinheiro? Pode fazer, mas terá consequências gravíssimas. Ele vai jogar o país em uma situação de inflação como tinha nos anos 1980 e 1990. É como Argentina vive hoje, porque o banco central deles financia as despesas do governo”, afirma Mendes, do Insper.
Baixar mais os juros ajudaria?
Outra alternativa para ajudar o governo seria o Banco Central baixar ainda mais os juros. Assim, ele emitiria títulos públicos e, lá na frente, pagaria de volta aos investidores, mas com juros bem pequenos, sem comprometer tanto as contas públicas lá na frente. O problema é que, com isso, as pessoas não comprariam os títulos públicos emitidos.
“As pessoas compram os títulos medindo o risco que elas estão correndo. Elas mensuram o risco da dívida do governo, e como a dívida está crescendo, o risco dela também cresce muito. Os juros que os poupadores pedirão para comprar um título público, principalmente longo, será maior”, afirma Mendes.
Estamos deixando de investir em saúde e educação?
Um dos principais medos dos contribuintes é o país estar deixando de investir em saúde e educação. Porém, nesse caso, não é bem assim.
“Essas áreas não perdem porque não está sendo tirado orçamento delas. Estão sendo acrescentados novos valores ao orçamento, que serão pagos por meio de aumento de dívida pública. Para que outros setores perdessem receita, seria preciso tirar o dinheiro deles e aí não precisaria emitir dívida”, explica o professor Mendes.
Por outro lado, o professor Sampaio destaca que, todo valor que é acrescido ao orçamento faz com que as contas fiquem mais apertadas. Portanto, outras áreas acabam perdendo indiretamente.
“Cada unidade gasta poderia ser direcionada para outro setor, mas o ponto é que não temos opção. Precisamos ter esse gasto para combater a crise”, destaca.