Autoridades jurídicas e senadores definem reforma trabalhista como inconstitucional em duas audiências públicas na CCJ

Autoridades jurídicas e senadores definem reforma trabalhista como inconstitucional em duas audiências públicas na CCJ
Relatório de Jucá será votado na Comissão do Senado nesta quarta-feira (28/06)

Um dia antes da votação do relatório do senador Romero Jucá (PMDB/RR) sobre o PLC 38/2017 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, autoridades políticas, acadêmicas, membros do movimento sindical e juristas reuniram-se para debater a reforma trabalhista. Requeridas pelo senador Paulo Paim (PT/RS), as discussões aconteceram na própria CCJ em duas audiências públicas ao longo desta terça-feira (27).

Na parte da manhã, a inconstitucionalidade do Projeto; a ameaça à retirada de direitos históricos dos trabalhadores; o estímulo à “pejotização”; o ataque à Justiça do Trabalho, à Previdência Social e à organização sindical e o papel do Senado como Casa revisora foram os pontos destacados durante o debate.

Após as considerações iniciais dos convidados, Paim, que já divulgou seu voto em separado pela rejeição do texto que veio da Câmara dos Deputados, avaliou que, apesar das posições completamente diferentes entre representantes dos trabalhadores, do Ministério Público do Trabalho, do Tribunal Superior do Trabalho, da Confederação Nacional das Indústrias e da base aliada do governo, há uma unanimidade: “Ninguém concorda com essa proposta como está”.

“Se até o próprio relator diz que há seis pontos inaceitáveis no PLC, o Senado não pode se acovardar perante a Câmara e o Executivo. Ou nós, aqui no Senado, assumimos nosso papel de senadores ou que renunciem ao mandato. Ninguém é contra nenhum tipo de reforma, mas pontuais, com bom senso, não com sectarismo. A livre negociação, [por exemplo], enfraquece os sindicatos. Portanto, o apelo que faço é: vamos retirar essa proposta de pauta, vamos fazer o bom debate. Esta é a Casa revisora, então que o Senado não se coloque como carimbador de projetos”, conclamou o senador, corroborado pelo Procurador-Geral do Trabalho do MPT, Ronaldo Fleury.

De acordo com Fleury, “o Senado tem de exercer seu poder legislador e não se eximir de legislar, fazendo sugestões de vetos e medidas provisórias”. Para o procurador, o texto da reforma abre brechas às intervenções por violar normas internacionais ratificadas pelo Brasil e a Constituição Federal com base em dados equivocados.

“Comitê de peritos [da OIT], em fevereiro deste ano, já afirmou que a possibilidade do negociado sobre o legislado para a retirada de direitos, para a diminuição do patamar mínimo civilizatório fere a Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho. Um exemplo muito claro dessa retirada é a ‘pejotização’. Da forma como está escrito no Projeto, posso transformar minha empregada doméstica em uma microempresa individual e eu tirarei os direitos dela: férias, 13º, FGTS, horas in itinere”, explicou Fleury, ressaltando que “cerca de 73% dos empresários paulistas entendem que a reforma não é incentivo à contratação. E empresários americanos não colocam a legislação trabalhista como fator impeditivo de investimentos no Brasil”. “O que cria empregos é desenvolvimento econômico”, complementou.

Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Delaíde Arantes ratifica que “não é flexibilizando direitos sociais do trabalho que se cria empregos”. Segundo a jurista, o PLC 38/2017 “representa brutal retrocesso à ordem liberal do século XIX e altera radicalmente o sistema de relações trabalhistas, atingindo o direito do trabalho em seus fundamentos, fragilizando instituições públicas como as organizações sindicais e a Justiça do Trabalho” em um País cujos 71,9% dos trabalhadores formais no setor privado ganham até 2 salários mínimos e apenas 0,9% ganham acima de 10 salários mínimos – dado também destacado pela senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR).

Para Hoffmann, a reforma é para esta parcela que ganha até dois salários mínimos e não afeta os profissionais com grandes remunerações, como os juízes. “[O PLC] precariza as relações para aqueles que ganham pouco. A legislação trabalhista é protetiva justamente para os mais pobres, que não têm condições de negociação com o empregador. Como o pobre não vai ter direito à Justiça do Trabalho porque não vai ter direito ao pagamento da perícia? Quero saber se os ‘bem de vida’ topam isso, o trabalho intermitente, topam abrir mão de suas férias?”, questionou a parlamentar.

Em sua palavra, a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B/AM) reafirmou que o texto do Projeto de Lei da Câmara destrói a Justiça do Trabalho e chamou a atenção dos parlamentares a serem fiéis ao voto popular. “Quando um relator apresenta o relatório com itens de recomendações, abre-se mão de legislar para recomendar. Nós não podemos abrir mão da nossa função. Isso significa uma traição àqueles que depositaram seu voto de confiança, porque nós chegamos aqui por voto popular. E a Previdência, hoje, não é deficitária, mas vai ficar se esse projeto for aprovado”, concluiu Grazziotin.

Justiça do Trabalho, profissionais autônomos e realidade brasileira

Na última audiência pública do dia a respeito da reforma trabalhista, a Justiça do Trabalho voltou a ser o foco do debate com o discurso do presidente da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Guilherme Feliciano. Relembrando uma das inconstitucionalidades do PLC 38/2017 também mencionada na primeira rodada de discussão e na Nota Técnica nº 8 do MPT, o presidente condenou os artigos 611-A e 611-B do Projeto por defender a flexibilização inconstitucional da jornada de trabalho. De acordo com Feliciano, “independente da visão de mundo que se tenha, o fato é que o Parlamento não pode permitir que o texto seja aprovado com tais vícios”.

“A alma do projeto é trazer a discussão do negociado sobre o legislado. [Mas], há hipóteses constitucionais: jornada, salários e turnos ininterruptos de revezamento. Nada disso, nos termos da Carta Magna poderia ser objeto de negociação para pior. E vou além, o artigo 611-B termina dizendo que ‘regra sobre duração de trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho’. A primeira lei trabalhista dizia respeito à jornada e esse Projeto vem dizer que moderniza, mas o que ele faz é basicamente retroceder 200 anos ao falar que questões de saúde não estão relacionadas à jornada de trabalho”, ressaltou.

O presidente da ANAMATRA ainda se posicionou contrário às indenizações por danos morais tarifadas à Justiça do Trabalho e à negociação de acordos sem a participação dos sindicatos – apoiado pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo Fabiano Farias da Costa. Para Costa, a reforma é frontalmente inconstitucional e esvazia diversos direitos trabalhistas previstos no artigo 7 da legislação.

“Não há nada mais inconstitucional do que permitir que gestantes e lactantes possam trabalhar em lugar insalubre. Isso vai contra o direito à vida. Trago também o exemplo do trabalho autônomo. A reforma é perversa ao criar a figura do profissional autônomo exclusivo em regime de continuidade. Um trabalhador que presta serviço a um único tomador por si só já presume a relação de emprego, mas, como falso autônomo, não tem direito à maioria dos direitos do artigo 7. Ele não tem carteira assinada, não tem limite de jornada, licença-maternidade/ paternidade. Então, não venham dizer que o Projeto não retira direitos”, destacou.

Novamente com a palavra, o senador Paulo Paim (PT/RS) repetiu pela tarde que justificar a flexibilização das leis trabalhistas no Brasil com base na experiência de outros países é incompreensível devido à realidade brasileira. De acordo com o parlamentar, enquanto no País o salário mínimo corresponde a um pouco mais de 200 dólares, nas nações europeias e na China chega a ultrapassar os 2 mil dólares, tendo França um salário mínimo de US$ 1463; Alemanha, US$ 685; Espanha, US$ 1071; Austrália, US$ 2098; Grécia, US$ 972 e China, mais de US$ 700.

Também se manifestaram contra a aprovação da reforma trabalhista durante as audiências os senadores Lindberg Farias (PT/RJ), Regina Sousa (PT/PI), Lasier Martins (PSD/RS), Antonio Carlos Valadares (PSB/SE) e o advogado do PSB, Ulisses Borges de Resende, além de dirigentes sindicais.

Fonte:http://csb.org.br/

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