Auditores fiscais publicam cartilha da Previdência que contrapõe discurso de déficit
O material foi apresentado na Câmara Federal nesta terça (23) durante sessão da Comissão de Seguridade Social e Família
Alvo de uma disputa antiga que envolve atores políticos, econômicos e midiáticos, a Previdência Social está no centro das atenções da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que lançou nesta terça-feira (23) uma cartilha para esclarecer detalhes sobre o tema.
O material foi apresentado na Câmara Federal durante sessão da Comissão de Seguridade Social e Família e envolveu parlamentares e membros da sociedade civil organizada.
O assunto tem se sobressaído no cenário político nos últimos meses porque o governo interino de Michel Temer vem defendendo mudanças no regime. Entre outras coisas, o Planalto objetiva aumentar a idade mínima para aposentadoria, sob a argumentação de que a Previdência amargaria atualmente um rombo de R$ 146 bilhões.
Com base nesse horizonte, a equipe econômica de Temer trabalha para formular uma proposta de reforma a ser enviada ao Congresso. O governo defende que a medida seria essencial para equilibrar o orçamento e conter o endividamento.
O posicionamento governista vem sendo bombardeado por parlamentares e especialistas que se debruçam sobre o assunto. Durante o lançamento da cartilha nesta terça-feira (23), deputados criticaram o governo Temer e destacaram a desinformação que circunda o tema.
“Se perguntarem a qualquer pessoa por aí se a Previdência está quebrada, ela vai dizer que sim, de tanto que se repete isso, mas a verdade é que a discussão vem sendo feita sem sustento teórico e técnico, portanto, de forma irresponsável. Nós precisamos pautar esse debate pela análise crítica, e não pelas paixões políticas”, defendeu a deputada Angela Albino (PCdoB-SC).
Para o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), o discurso governista estaria dando sustentação a interesses escusos. “O IBGE divulgou uma pesquisa mostrando que a expectativa de vida média do povo brasileiro é de 70 anos, ou seja, aumentando a idade mínima possível para a aposentadoria, as pessoas vão morrer trabalhando, sem poderem se aposentar nunca. (…) Eles dizem que a Previdência é deficitária porque querem repassar a conta da crise para os trabalhadores. Esse é um discurso voltado aos interesses do mercado, das elites econômicas, das grandes corporações, que querem maximizar seus lucros sem arcar com os custos sociais que representam os direitos dos trabalhadores”, afirmou Wyllys.
O psolista defendeu que o país coloque o combate à sonegação entre as prioridades. “Mesmo que a Previdência estivesse deficitária, o caminho certo a ser trilhado não seria esse de elevar o tempo de trabalho, de retirar direitos. O correto seria mirar sobretudo a sonegação, porque os sonegadores são muitos. Eles não pagam suas dívidas com o Estado, nem o Estado cria mecanismos pra isso. Os problemas dos cofres públicos vêm muito mais do fato de os ricos sonegarem do que propriamente da Previdencia estar deficitária, como eles insistem em dizer”, completou.
Na mesma linha, a deputada Zenaide Maia (PR-RN) defendeu medidas mais direcionadas à tributação das elites. “Quando se fala em crise, eles pensam logo em retirar direitos dos trabalhadores, mas ninguém fala em mexer em juros de dívida interna, por exemplo. O país tem usado 50% de tudo o que se arrecada só para pagar dívida. Acho que já está mais do que na hora de taxar grandes fortunas. A crise não pode ser usada pra concentrar ainda mais riquezas e tirar do povo o que é direito seu. Por que quem produz e trabalha é que tem que pagar por isso? Está errado”, considerou.
Dados
Durante o lançamento da cartilha nesta terça-feira (23), a Anfip classificou os dados apresentados pelo governo sobre a Previdência como uma “falácia”. Enquanto o governo Temer sustenta a existência de um rombo de R$ 146 bilhões, os especialistas afirmam que, em 2014, por exemplo, teria havido superávit de R$ 53 bilhões.
Segundo a Anfip, os governos, ao longo do tempo, têm demonstrado cálculo de déficit porque consideram apenas parte dascontribuições sociais, incluindo somente a arrecadação previdenciária direta urbana e rural, excluindo outras fortes importantes, como o Cofins, o Pis-Pasep, entre outras, além de ignorar as renúncias fiscais.
“Elem falam em déficit, mas a Constituição Federal não isola a Previdência. Ela está dentro da seguridade social e da saúde, uma mesma fonte de recursos. Então, não se pode pegar só a guia previdenciária e dizer que existe um rombo. Além disso, eles gostam de dizer que a Previdência é o maior dispêndio, mas, na verdade, ela só representa 22% do orçamento anual, incluindo servidores públicos e trabalhadores da esfera privada. Então, esses dados que trazemos no material que está sendo lançado são importantes porque ajudam a combater a desinformação”, salienta a presidente da Fundação Anfip, Maria Inez Rezende dos Santos Maranhão, ressaltando que o país tem 52 milhões de contribuintes.
Ela também destaca a importância do modelo solidário que caracteriza a Previdência Social no Brasil. “Ao longo da vida do cidadão, esse componente é muito importante porque, por exemplo, em algum momento, a trabalhadora vai parar pra licença-maternidade. O trabalhador pode parar porque quebrou a perna. Então, o mais importante da Previdência pública é que ela é solidária. Os ativos pagam e os idosos, por exemplo, que já deram a contribuição deles, precisam ser sustentados. Está surgindo no Brasil um discurso de que só deve receber da Previdência quem consegue pagar. Ora, mas tem gente que já nasce doente e nunca vai conseguir contribuir. Nós vamos matá-los? Essa é uma ótica individualista, e não solidária”, criticou a dirigente.
Para o presidente da Anfip, Vilson Romero, uma possível reforma previdenciária injusta traria no horizonte sérios riscos para o país.
“O que mais preocupa é que o governo atual tem falado em idade mínima de aposentadoria tendo como paradigma os países desenvolvidos. O Brasil, infelizmente, tem outro contexto. [O país] está eternamente em vias de desenvolvimento e não consegue sequer acompanhar os seus parceiros do BRICS, Rússia, China, África do Sul. Então, não se pode usar como parâmetro os países escandinavos e a União Europeia, pois lá o retorno da carga tributária é muito mais elevado e dá suporte à população. Precisamos pensar conforme a nossa realidade”, argumentou Romero.
Fonte: Brasil de Fato