Após 150 autuações e R$ 420 milhões em multas, Receita acaba com farra do direito de imagem

 Após 150 autuações e R$ 420 milhões em multas, Receita acaba com farra do direito de imagem

No dia 2 de março, Souza estava pronto para entrar em campo. Campeão mundial pelo São Paulo e ex-jogador do Paris Saint-Germain iria atuar pelo Brasiliense contra o Paracatu. Mal chegou ao vestiário do estádio Abadião quando foi cercado e detido por agentes da Polícia Federal. Parecia uma prisão de um perigoso foragido. Acabou sendo levado à cadeia da PF de Brasília.

A acusação. Crime contra a ordem tributária, envolvendo contratos de direito de imagem com clubes nacionais, como São Paulo, Fluminense e Grêmio. Souza dormiu na cadeia. Seu advogado conseguiu um habeas corpus. Mas o processo continua.

A Receita Federal resolveu criar uma força tarefa em 2017. Para investigar uma velha denúncia. A que os direitos de imagem dos atletas é um mero recurso para burlar, enganar, pagar menos impostos.

De maneira discreta, mais de 150 atletas já foram autuados. Grande parte fez acordo e ninguém nem chegou a ter acesso aos casos. E nem chegou às manchetes.

Mas outros chegaram. Como Neymar, Pato, Conca, Vanderlei Luxemburgo, Felipão, Cuca. E não foi por acaso que o ex-tenista Guga chorou. Ele foi acusado pela Receita Federal de ter usado a empresa Guga Kuerten Participações e Empreendimentos para recolher menos impostos sobre ganhos entre 1999 e 2002. A Receita entende que os valores foram do próprio atleta e que o montante deveria ter sido tributado como pessoa física, cuja incidência de imposto é de 27,5%, em vez de pessoa jurídica, em que a tributação é de 12,5%.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) multou o melhor tenista brasileiro de todos os tempos em R$ 30 milhões. Neymar pagou no mês passado nada menos do que R$ 8,7 milhões como multa pelo mesmo motivo.

Alexandre Pato pagou R$ 5 milhões em multas, em fevereiro. E seguem vários outros processos sob sigilo

Para entender o que está acontecendo, a saída foi procurar um especialista. O blog procurou Rafael Marchetti Marcondes, advogado e professor, especialista em Direito Tributário. Autor de dois livros, “A Tributação da Imagem de Artistas e Esportistas” e “A Tributação dos Royalties”.

Rafael, o que está acontecendo? Finalmente a justiça descobriu que os clubes fazem contrato com direito de imagem para que os jogadores pagem menos impostos?

Bom, vou deixar claro. São cerca de 150 processos até agora na Receita Federal. Os valores cobrados giram em torno de R$ 420 milhões. Esses números ainda são pequenos diante do que pode acontecer. Estamos falando de 150 autuações de esportistas, só que a gente tem um horizonte de atletas que é infinitamente maior.

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Houve alguma mudança na legislação que fez com que a Receita Federal passasse a autuar os jogadores?

Estamos falando das autuações do uso dos direitos de imagens dos atletas de forma indevida. A lei nunca tratou especificamente da imagem. Mas dos direitos personalíssimos de cada indivíduo. Na década de 60, por exemplo, já se previa os direitos de imagem de profissionais liberais, como médicos, advogados, jornalistas, psicólogos por exemplo. A legislação nunca mencionou especificamente os direitos dos atletas. Com o passar do tempo, em 2005 e 2015 vieram legislações que trataram dos atletas.

Hoje a legislação permite que um clube use as imagens de um atleta. Desde os direitos de imagem não ultrapassem 40% do que o clube paga mensalmente ao jogador. Há esse limite de 40%. Antes não havia limite. A Lei Pelé passou por essa alteração, impôs o limite de 40%. Mas ainda assim há uma série de questionamentos sobre o uso de imagem dos atletas. Porque a legislação não é completamente clara.

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Doutor, tudo não passa de uma grande hipocrisia? Por que a imensa maioria dos jogadores não faz propaganda alguma. Esse direito de imagem é na verdade uma maneira de burlar a receita. E pagar menos impostos. Isso é claro. Basta pensar. Se nem jogador de time grande faz propaganda, o que falar dos que atuam em equipes pequenas? Direito de imagem é uma mentira. A Receita Federal acordou.

O que a gente vê é que isso era uma prática muito corriqueira no início dos anos 2000. E que foi trazida e espelhada pelo que acontece na Europa. Só que, enquanto na Europa se passou a efetivamente usar a imagem dos atletas, no Brasil isso não era feito. Era sim apenas uma maneira de disfarçar o pagamento dos jogadores. Alguns clubes estão começando a mudar por aqui. Mas isso, disfarçar para pagar menos imposto sobre o salário recebido, ainda acontece em grande parte dos clubes de futebol do Brasil. E quem termina exposto não é o clube. Mas o jogador.

Ou seja, os jogadores é que acabam pagando. Correndo o risco de serem até presos.

O que está faltando é orientação. Se o clube e o jogador decidirem optar por recorrer ao uso de imagem, que ela seja mesmo usada. Seja junto a patrocinadores do clube, seja divulgando efetivamente o clube, os produtos do clube. Isso ainda é muito pouco. Não adianta ficar agindo como no início dos anos 2000. Por que tudo mudou. Não há mais espaço. A Receita Federal montou uma força tarefa para acompanhar realmente o que acontece com os contratos dos jogadores. A Receita Federal criou grupos específicos para acompanhar os atletas. E já está cobrando, multando, quem está burlando a legislação. Como tem de ser. Sem privilegio. Está havendo um prejuízo para o país quando a legislação não é cumprida.

De maneira clara. O atleta brasileiro está sendo mal orientado juridicamente? Agora ele terá de se preocupar também com isso?

Eu entendo que sim. Os atletas ao assinarem contratos com os clubes deveriam ter um cuidado maior, buscando assessoria jurídica especializada para se precaver e tomar medidas que evitassem que o contrato pudesse ser questionado. É muito mais fácil se precaver do que esperar uma autuação fiscal, com multa, juros. Quando isso acontece, os valores viram cifras astronômicas. Porque vale desde o início do contrato.

E mais, não é porque a Receita Federal aceita que 40% dos contratos seja de direito de imagem, que ela aceitará que ele não seja exercido de verdade. Se o jogador não tiver como provar, vai pagar multa e juros. Ficará claro que foi apenas um recurso na busca de economizar o desconto que o atleta deveria pagar.

Vou falar algo muito importante. No plano de metas da Receita Federal de 2016 e 2017 está a fiscalização do uso do direito de imagem dos jogadores e artistas. A tendência é que as autuações aumentem e muito. Envolve muito dinheiro.

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Um exemplo. Eu sou um jogador do Paulista de Jundiaí. Recebo 40% de direito de imagem no meu contrato. O que eu tenho de fazer para que fique claro que não estou burlando a Receita Federal? Nunca vi publicidade alguma de jogador do Paulista ou de qualquer clube médio ou pequeno do país. Só vejo Neymar fazendo propaganda, para falar bem a verdade.

Na verdade, o jogador terá de provar que os 40% de direito de imagem traziam efetivo retorno ao clube. Eu vou ser claro. Clube menor terá cada vez menos espaço para fazer uma alavancagem de 40% de imagem. Não tem como. Eles terão de se adequar. Porque, é importante que se destaque, não será apenas os atletas, mas os clubes também passarão ao ser autuados. A Receita Federal quer que ambos provem que esse direito de imagem não é fictício. Não vai aceitar que a pessoa jurídica usufrua do privilégio de pagar 12,5% de imposto, quando a pessoa física teria de pagar 27%.

Ou seja, os clubes também precisam modernizar os seus departamento jurídicos. Para que não haja uma devassa geral da Receita Federal.

Sim. Porque quando há as autuações é cada um por si. Os atletas têm a sua defesa e os clubes também. Por isso a melhor saída é a prevenção. Daí a importância do jurídico do clube. Porque os clubes se preocupam prioritariamente com os contratos. E deixam de lado essa questão tributária. Não vão poder mais fazer isso. Ele vão ter de buscar assessorias tributárias para que, quando assinarem os novos contratos, não corram riscos desnecessário. Os clube terão de adequar. Com o risco de ter de pagar multas altíssimas. Como os jogadores. E também os contratos dos técnicos estão sendo investigados. Vanderlei Luxemburgo, Felipão e Cuca tiveram de pagar milhões em multas. Por causa dos direitos de imagem. A postura da Receita Federal mudou. Está muito mais atenta.

A autuação fiscal quando ela chega como sonegação, ela vem também com a carga criminal. O que aconteceu, por exemplo, com o Neymar no Barcelona. Aí tudo fica muito pior. Isso pode passar a acontecer de forma recorrente no Brasil. Jogadores e clubes vão ter de aprender a lidar com a legislação tributária. A Receita Federal vai cobrar. Aliás, já está cobrando. Estamos falando de mais de 150 autuações e multas que ultrapassam R$ 420 milhões. E há a certeza que novos casos irão surgir.

O Brasil passa por mudanças. Como a Lava Jato, Petrolão. Os órgãos públicos mudaram. A Receita Federal, por exemplo, está capacitada, informatizada e fazendo um trabalho muito competente. Cada vez existe menos espaço para sacanagem. Ou as pessoas se adequam e trabalham de acordo com a lei ou vão estar sujeitos a autuações milionárias.
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Fonte: R7

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