AGU quer evitar divulgação de lista suja do trabalho escravo

O documento traz os nomes de empresas condenadas em processo administrativo por manterem funcionários em condições análogas à escravidão

A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra decisão do juiz Rubens Curado Silveira, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, que determinou a publicação imediata da chamada lista suja do trabalho escravo. O documento traz os nomes de empresas condenadas em processo administrativo por manterem funcionários em condições análogas à escravidão. Há dois anos, o Ministério do Trabalho (MTE) não divulga o cadastro e o governo alega que a publicação, como vinha sendo feita, não dá direito de defesa às empresas. O recurso na Justiça do Trabalho foi apresentado no fim da tarde de ontem. O prazo para divulgação da lista termina na próxima terça-feira. Caso descumpra a decisão, a multa estabelecida é de R$ 10 mil por dia.

O MTE criou um grupo de trabalho para analisar mudanças na divulgação do documento. O grupo tem um prazo de 120 dias para estudar o caso e estabelecer normas para a divulgação da lista. O governo, no entanto, não especifica quais modificações serão feitas nem define prazo para informar os nomes das empresas. A ausência da lista de companhias flagradas usando mão de obra irregular é criticada por instituições que combatem o trabalho escravo no Brasil. É o caso da ONG Repórter Brasil, que atua contra esse tipo de crime e foi a primeira instituição a pedir a lista por meio da Lei de Acesso a Informação.
O presidente da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, que é integrante do Conselho de Curadores do Fundo das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, critica as alegações do governo para não divulgar o documento. “A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), já referendou a norma atual e permitiu a divulgação da lista suja do trabalho escravo. O curioso é que o ministro usa alegações jurídicas para privar a sociedade dessa informação. Então, eu penso que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, deveria ir ao STF explicar suas alegações. A ONU considera essa divulgação um exemplo global, que agora não está sendo mais colocado em prática no nosso país”, disse.
Transporte
De acordo com um estudo da fundação Walk Free, publicado no ano passado, o Brasil tem 161 mil pessoas submetidas à escravidão moderna. A maioria é formada por trabalhadores rurais, levados para outros estados, que, ao chegarem ao destino, são obrigados a pagar pelo transporte, pelas ferramentas que usam e até por uniforme. Não é incomum que vivam presas, afastadas da sociedade, sendo obrigadas a trabalhar. Segundo o estudo, existem também trabalhadores nessas condições nas áreas urbanas, nesse caso, afetando, principalmente, estrangeiros que chegam ao território nacional.
Os auditores fiscais do trabalho são os responsáveis pela fiscalização que liberta centenas e até milhares de trabalhadores em regime de escravidão no Brasil. O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, afirma que a instituição não foi convidada para o grupo de trabalho e pede mais transparência no combate à atividade análoga à escravidão. “Para nós, a criação deste grupo é mais uma forma de o governo ceder à pressão de interessados, que certamente estão envolvidos nas atividades da lista suja. O trabalho escravo é um dos crimes mais bárbaros que qualquer nação do mundo pode presenciar, e o ministro vem falar em direito de defesa das empresas? Ninguém chega até essa lista sem ter enfrentado processo administrativo e ter a possibilidade de se defender durante as etapas do procedimento”, destacou Carlos.
Na formação do grupo de trabalho, na quinta-feira, o representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) não estava presente. O procurador Tiago Cavalcanti, que mora em Alagoas, afirmou que não foi informado com antecedência da reunião criada para discutir as mudanças. “Eu não fui avisado por e-mail, correio ou por telefone. O convite ocorreu por edital, publicado no Diário Oficial da União, um dia antes do carnaval. Esse não é o procedimento de praxe entre o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Houve uma negligência proposital em não realizar o convite pelos meios habituais. De qualquer forma, o MPT não vê motivo legal para que a lista não seja divulgada imediatamente. E, de acordo com a Lei de Acesso a Informação, essa divulgação deve ser proativa do Estado, ou seja, não é necessário esperar o cidadão solicitar”, afirmou o procurador.
O Correio entrou em contato com a assessoria do Ministério do Trabalho e questionou o prazo para a divulgação da lista e os motivos que impediram que o MPT fosse convidado com antecedência para a reunião sobre o assunto. Até o fechamento desta edição, nenhuma resposta foi dada.
Fonte:http://www.diariodepernambuco.com.br
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