A possibilidade de ação anulatória na hipótese em que já apresentados embargos à execução fiscal
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em sede de embargos de divergência[1], não ser possível que o contribuinte utilize embargos à execução fiscal para se defender da cobrança de crédito tributário decorrente de compensação não homologada administrativamente, em razão da suposta vedação do artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais). A decisão acendeu debates acerca do tema, especialmente em razão de esse meio processual ser usualmente utilizado para essa finalidade.
Para os débitos cobrados posteriormente a essa decisão, os contribuintes devem, para não incorrer na vedação criada pelo STJ, valer-se de outros instrumentos processuais, como a ação anulatória de débito fiscal. O rito dessas duas medidas – embargos e anulatória – é bastante semelhante, com possibilidade de dilação probatória e, com isso, não haverá prejuízo para ampla defesa e contraditório. O problema que causa mais debate atualmente é relativo aos casos em que os embargos já haviam sido oferecidos quando da decisão do STJ. O que deveria fazer o contribuinte nessa situação?
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs, em 27.10.2022, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental[2] , com a finalidade de submeter a discussão ao Supremo Tribunal Federal. Contudo, como não é possível prever quando ocorrerá esse julgamento e qual será o seu desfecho, é necessário pensar em alternativas que permitam o prosseguimento da discussão sobre a legitimidade da compensação efetuada e não homologada.
Desse modo, o objetivo deste artigo é tratar das possibilidades de atuação para o contribuinte que ofereceu embargos à execução fiscal sobre o tema antes de ser proferida a decisão do STJ. Entendemos que o mais simples e razoável seria a conversão da ação dentro do próprio juízo, de modo que os embargos à execução fossem processados como se ação anulatória fossem. Nessa hipótese, inclusive, seria possível o aproveitamento dos atos processuais já praticados, desde que, é claro, não exista prejuízo a nenhuma das partes.
Nessa situação, caso os embargos à execução tivessem sido recebidos com efeito suspensivo, haveria concessão de tutela de urgência na anulatória, determinando-se a suspensão da execução fiscal até o seu julgamento em primeira instância, bem como a renovação das certidões de regularidade fiscal. Após proferida sentença, caso de improcedência, caberia ao Tribunal competente decidir sobre a manutenção ou não da suspensão da execução, assim como já ocorre quando da apelação em embargos à execução. Há notícia[3] de que esse pleito já foi aceito.
Apesar da ausência de fundamento legal para mudança do rito processual, há vasta fundamentação em nosso ordenamento para que a conversão seja feita, como, por exemplo, nos princípios da instrumentalidade das formas, da fungibilidade, da economia processual, da ampla defesa e contraditório. Parece, portanto, ser essa uma solução simples e adequada aos interesses das partes. Não haveria qualquer prejuízo para a exequente ou para a executada.
Contudo, como certamente haverá controvérsias acerca dessa possibilidade, entendemos pertinente explorar outra situação, a de propositura de ação anulatória após os embargos à execução fiscal. Em regra, isso não seria possível, tendo em vista que os embargos são o meio adequado de defesa contra execução fiscal e que estaria preclusa qualquer possibilidade de novas alegações que já pudessem ter sido levadas à época dos embargos.
Porém, necessário observar que não estamos diante de uma situação usual, na qual se pretende rediscutir matérias já tratadas em outro processo. O STJ, ao julgar da forma como o fez, acabou por modificar a jurisprudência acerca de um tema processual bastante delicado, com potencial para inviabilizar o exercício do direito de defesa de um número relevante de contribuintes.
Desse modo, entendemos haver espaço para o início de ação anulatória. Isso porque o rito processual, como já mencionado, é praticamente idêntico, não havendo ônus para qualquer parte. Além disso, em regra, ações com mesmos pedidos e causas de pedir são proibidas pelo ordenamento em razão da possibilidade de decisões divergentes, o que não ocorreria neste caso, dada a impossibilidade de prosseguimento da discussão nos embargos, que seriam extintos sem julgamento de mérito. Nessa situação, o prazo prescricional da anulatória – em regra, de cinco anos da notificação do débito -, teria como termo a quo o momento em que invocada a inviabilidade de julgamento nos embargos à execução, momento em que nasceu o direito à pretensão pela anulatória.
Houve uma mudança de orientação jurisprudencial e isso pode prejudicar princípios relevantes como ampla defesa e contraditório. Com isso, a conversão de rito ou aceitação de propositura de anulatória sobre o tema dos embargos, devem ser aceitas, de modo a reduzir o potencial negativo causado pela decisão. O meio processual, nessa situação específica, não deveria ser determinante para a possibilidade ou não de demonstração de um direito creditório, mas, já que o STJ entendeu dessa forma, resta aos operadores do direito – advogados, procuradores e magistrados – a interpretarem da maneira mais adequada aos interesses da coletividade.