Líder do governo usa experiência militar para articular Previdência
Major Vitor Hugo (fardado) em missão militar na Costa do Marfim
Ex-membro das forças especiais do Exército, o líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado major Vitor Hugo (PSL-GO), está usando elementos de sua experiência como militar e como consultor legislativo para articular o maior número possível de deputados e tentar aprovar projetos como a reforma da Previdência.
O UOL ouviu militares da reserva que identificaram características da doutrina das Forças Especiais do Exército nas ações que o deputado vem realizando mesmo antes do início do ano legislativo. Entre elas estão ações políticas e estratégicas para identificar lideranças (formais e informais) na Câmara, com base em conversas e fontes públicas de dados, e a tentativa de criar uma rede de alianças e troca de informações.
O Major Vitor Hugo disse ao UOL que vem trabalhando para aproximar os deputados dos ministros de Bolsonaro. Ele afirmou que tem pedido aos ministros que tentem atender a pedidos das lideranças na Câmara sobre projetos específicos, relacionados com suas bases eleitorais – desde que essas ações tragam benefícios para a população e não comprometam as finanças do governo.
Com isso, ele tenta consolidar uma rede de apoio à reforma antes que a proposta de texto do governo seja apresentada. “Seria interessante fazer esse trabalho sem contaminar com a discussão de mérito [sobre a reforma]”, disse.
Falei com ministros pedindo para eles ficarem abertos a demandas de deputados, para priorização de políticas. Pedi para ouvirem os deputados e se os pedidos gerarem bons frutos não tem por que não atender
Deputado major Vitor Hugo (PSL-GO)
Ele afirmou que está falando prioritariamente com membros da base do governo, mas disse que também está em contato com membros da oposição que já se mostraram dispostos a discutir.
Major Vitor Hugo afirmou acreditar que o melhor cenário para que o plano dê certo é que Bolsonaro apresente sua proposta final de reforma no fim de fevereiro – para que haja tempo de articulação. Mas disse que vai se adaptar ao cronograma que o presidente decidir adotar.
O deputado está em seu primeiro mandato e foi escolhido pelo presidente no último dia 14 para ser o líder do governo na Câmara. Uma das razões da escolha foi que Vitor Hugo atuava como consultor legislativo da Câmara desde 2015 e por isso conhece o funcionamento da casa – diferentemente da maioria dos deputados novatos do PSL.
Ele também foi professor de direito e passou boa parte de sua vida profissional no Exército, onde participou de missões de forças especiais e comandou o destacamento de contraterrorismo da Brigada de Operações Especiais entre 2011 e 2012.
Major Vitor Hugo já foi consultor legislativo da Câmara
O que são forças especiais?
As forças especiais do Exército são unidades de atuação política e estratégica criadas para realizar tarefas como contrainsurgência (combate a guerrilheiros em conflitos irregulares) e contraterrorismo, entre outras missões.
O termo “forças especiais” às vezes é empregado de forma genérica para designar unidades militares ou policiais altamente treinadas para participar de episódios de combate de curta duração e grande dificuldade – como entrar em território perigoso para prender ou eliminar um alvo ou destruir uma barricada ou instalação.
Alguns exemplos disso são as unidades táticas Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro), Rota (tropa de elite da PM de São Paulo) ou mesmo os Seals americanos – a tropa de ação estratégica dos Estados Unidos que matou o extremista Osama Bin Laden no Paquistão em 2011. Mas essas não são “forças especiais” no sentido militar do termo.
As forças especiais são unidades que se inserem em território considerado hostil para sobreviver e operar por longos períodos de tempo, segundo explicou ao UOL um ex-membro das Forças Especiais do Exército sob anonimato.
Empregadas no Brasil desde 1957, as forças especiais estão sediadas atualmente em Goiás, estado de atuação política do major Vitor Hugo, e se dividem em unidades mínimas de 12 militares. Eles são quatro oficiais – um comandante, um subcomandante, um oficial de inteligência e um de operações (que faz planos de combate) – e quatro duplas de sargentos especialistas em armas, comunicações, saúde e demolições.
“Eles são multiplicadores. Um grupo de 12 militares é treinado para mobilizar até 1.500 civis em uma área de conflito. Eles sabem idiomas e têm habilidades para lidar com culturas diferentes”, disse o coronel da reserva Luciano Mendes Nolasco, que foi chefe de Vitor Hugo em 2008 no 1º Batalhão de Forças Especiais.
Essas forças foram usadas em um passado mais recente na missão de paz do Haiti (2004-2017) e na segurança de embaixadas do Brasil em países que passaram por copor conflitos armados.
Como usar a experiência militar na Câmara?
Segundo o major Vitor Hugo, a experiência de lidar com questões políticas e estratégicas de alto nível podem ajudá-lo na negociação com os parlamentares. Até o fim desta semana, o líder do governo espera ter se reunido com 90% dos ministros, líderes de partidos e de bancadas regionais da Câmara. A nova legislatura toma posse nesta sexta (1º).
Dois militares que passaram pelo Batalhão de Operações Especiais do Exército ouvidos pelo UOL disseram que é possível reconhecer pontos da doutrina das forças especiais na forma como Vitor Hugo está se reunindo com lideranças dos deputados e ministros.
“O que ele está fazendo nós chamamos na doutrina de ‘reunião de comando de área’. Ele está identificando quem são as lideranças formais e informais e se reunindo com elas”, analisou um militar sob anonimato. “A liderança [deputado] vai trazer um problema e você vai tentar atender. É como em uma operação militar, onde você traz médicos, comida, água e estabelece uma relação de confiança com os líderes civis locais. Com o tempo, você constrói uma rede de aliados.”
Segundo o coronel Nolasco, o major Vitor Hugo deve usar seu treinamento para fazer um perfil psicológico dos membros da Câmara e abrir canais para satisfazer suas necessidades. “Acredito que ele vai tentar fazer isso, evidentemente, sem estabelecer relações de fisiologismo”, disse o militar da reserva, lembrando que Vitor Hugo passou pelas principais escolas militares do país e tem cerca de 18 anos de estudo formal.
Vitor Hugo com observadores militares da ONU na Costa do Marfim em 2008
Experiência suficiente?
Críticos da escolha do major Vitor Hugo para liderar o governo na Câmara argumentam que um deputado em primeiro mandato não terá vivência e experiência política suficiente para negociar com as lideranças da Câmara. Eles afirmam que o governo poderia sair perdendo se o novo líder do governo não souber exercer sua influência.
O governo chegou a cogitar para a função nomes de deputados do PSL que já exerceram mandato, como o delegado Fernando Francischini ou Luciano Bivar, que preside a sigla, mas Bolsonaro optou pelo major.
Muitos jornais ressaltaram que estou em primeiro mandato, mas não falam da minha carreira militar, há atributos que se espera de líderes que podem ser úteis
Major Vitor Hugo
Ele citou sua participação na missão de retirada de brasileiros e proteção da embaixada da qual participou em 2004 durante a primeira guerra civil da Costa do Marfim, na África. E também seu papel como observador militar da ONU no mesmo país em 2008. “Eu tinha que lidar com pessoas de culturas diferentes de postos diferentes, eu era o mais novo”, disse.
Segundo a deputada Joyce Hasselmann (PSL-SP), que também pleiteou a liderança do governo, um dos fatores que pesou na escolha de Vitor Hugo foi sua capacidade intelectual: ele foi o primeiro colocado em sua turma na Academia Militar das Agulhas Negras (recebeu o título de cadete mais distinto) e também no concurso público de Consultor Legislativo da Câmara.
“Se você quer uma nova forma de política é melhor colocar alguém que não participou da forma antiga”, afirmou Vitor Hugo.
Seu trabalho será colocado à prova, porém, no processo de votação da reforma de previdência. Ele se disse confiante, mas afirmou: “Sei que vamos ter muito trabalho para conseguir chegar a um texto final”.
Fonte: Uol