1,2 milhão de brasileiros investem em fundos em que quem mais lucra é o banco

Um milhão de brasileiros investem em fundos mas quem lucra é só o banco. O lema “o cliente em primeiro lugar” costuma permear as relações entre empresas bem-sucedidas e seus consumidores no mundo todo. Esse foco no freguês é o que, pelo menos na teoria, deveria garantir a sobrevivência de companhias ao longo dos anos – e, quando não respeitado, poderia decretar o fim dos negócios ou pelo menos uma boa mudança de rumo. Mas há casos curiosos em que mesmo quando os interesses da empresa se sobressaem escandalosamente aos do cliente, as instituições não só apenas conseguem reter sua fatia de mercado como ainda não tem dificuldades de atrair novos consumidores.

Exemplos claros dessa inversão são alguns investimentos oferecidos pelos maiores bancos de varejo do país. Em um levantamento dos fundos DI e de curto prazo que cobram as maiores taxas de administração do mercado, o resultado mostrou algo surpreendente: mais de 1,2 milhão de brasileiros investe em fundos cujo retorno nos próximos 12 meses será muito menor do que aquilo que o banco cobra em taxas para gerir o fundo. Dito de outra forma, o dinheiro é do cliente, mas quem fica com a maior parte do lucro é o banco.

Caso emblemático dessa distorção é o fundo Santander Inteligente Curto Prazo, que cobra uma taxa de administração de 5,5% por ano de cada um de seus 24.370 cotistas. Um cliente que investir R$ 100 mil neste fundo vai pagar, portanto, R$ 5.500 para a Santander Asset, responsável pela gestão do fundo ao longo de 12 meses. Considerando a Selic atual de 6,75% ao ano estável nos próximos 12 meses, esse cliente vai receber apenas R$ 1.250 em um ano de aplicação depois de descontados os R$ 5.500 que ele pagará ao banco. Em outras palavras, a receita do banco com essa aplicação será 340% maior que o lucro do investidor, que é o dono do dinheiro.

Se está ruim assim, saiba que dá para piorar. Descontando o Imposto de Renda (de 20% sobre o rendimento no caso de fundo de curto prazo), o ganho do investidor será reduzido de R$ 1.250 para R$ 1.000. E esses R$ 1.000 não são suficientes nem para manter o poder de compra. “Em um ano com expectativa de inflação ao redor de 4% como 2018, o retorno do seu investimento será muito menor do que a alta dos preços. Isso quer dizer que você perde poder de compra, enquanto o objetivo é justamente o contrário: investimento nada mais é do que abrir mão do consumo hoje para poder comprar mais amanhã com o rendimento alcançando”, explica Charles Susskind, sócio da CMS Invest, assessor de investimentos com CFP (Certified Financial Planner).
O mesmo acontece com outros 19 fundos DI e de curto prazo (veja tabela abaixo), que possuem taxas de administração superiores a 3,1% ao ano e que, portanto, vão gerar mais retorno ao banco que gere o fundo do que ao investidor que aplicou seu dinheiro. O mais impressionante é que alguns destes fundos possuem centenas de milhares de cotistas. É o caso do BB renda Fixa LP 100, que recebe aplicações de mais de 430.000 brasileiros. Com uma taxa de administração de 3,8% ao ano, o investidor que confiar R$ 100 mil aos cuidados do gestor vai receber daqui a 12 meses apenas cerca de R$ 2.360 de retorno líquido, já descontado o Imposto de Renda. Enquanto isso, o Banco do Brasil ficará com R$ 3.800 do cotista.

Outro produto muito popular entre os brasileiros é o Hiperfundo, fundo DI do Bradesco que tem 319.000 cotistas. A taxa de administração cobrada pela Bradesco Asset Management é de 3,9% ao ano, o que projeta um retorno líquido na faixa de 2,28% em um ano (com a Selic mantida em 6,75%). No mesmo exemplo de investimento de R$ 100 mil, o cliente ganharia R$ 2.280 enquanto o banco colocaria R$ R$ 3.900 no bolso após 12 meses.

Os bancos alegam que a maioria desses fundos possui uma pulverização grande de cotistas e a intenção é que sejam feitas aplicações de baixos valores, aquele dinheirinho que sobra na conta no final do mês. É verdade. Quanto menos dinheiro o investidor tiver num fundo como esses, melhor para ele – e o valor ótimo é zero. Agora de níquel em níquel os bancos enchem o papo. O patrimônio desses 21 fundos é de R$ 85,5 bilhões e vai gerar aos bancos receitas que alcançarão R$ 3,5 bilhões em 2018. Nada mal para gerir fundos que majoritariamente investem em um único ativo: os títulos públicos de risco mais baixo, chamados de Tesouro Selic.

O que é a taxa de administração

A taxa de administração do fundo é o pagamento que o gestor recebe pelo trabalho de alocação dos ativos, o que inclui toda sua estrutura operacional. É comum, por exemplo, que os melhores fundos de ações e multimercados do Brasil cobrem taxas de administração na faixa de 2% ao ano, e uma taxa de performance sobre o rendimento que exceder o benchmark (índice de referência). A grande diferença é que nestes fundos equipes de analistas precisam avaliar centenas de empresas e descobrir as melhores opções de investimento, com base em muito estudo e processos complexos. Os multimercados ainda têm equipes de analistas e gestores acompanhando os mercados de juros e moedas, tanto no Brasil quanto em diversos países do mundo. E essas pessoas terão de trabalhar duro para ganhar mais dinheiro que a média do mercado, justificando a taxa de performance.

Já no fundo DI ou de curto prazo, o gestor compra sempre os mesmos títulos e os mantém em carteira. É como se você mesmo entrasse no site de uma corretora e comprasse o título mais simples que está disponível, o Tesouro Selic. Você mesmo pode fazer isso e vai demorar de 1 a 2 minutos para realizar a operação. Mesmo sendo um trabalho operacional rápido e que qualquer um pode fazer, o banco cobra uma fortuna de seus clientres para realizá-lo. O fundo com maior patrimônio líquido da amostra, o BB Curto Prazo Supremo Setor Público, recebe por ano por volta de R$ 1,6 bilhão de taxa de administração dos seus 145.000 cotistas. Já o Caixa Pratico Curto Prazo tem receitas na casa dos R$ 544 milhões por ano.

Para se ter ideia da diferença, as plataformas de corretoras de valores estão repletas de fundos DI e de curto prazo de gestoras independentes que cobram taxa de administração a partir de 0,2% ao ano. Um exemplo de fundo com taxa de 0,2% ao ano é o XP Tesouro LFT. Se esses R$ 85,5 bilhões depositados nos piores fundos do mercado fossem movidos para um fundo como esse, os cotistas pagariam R$ 171 milhões em taxas, obtendo uma economia de mais de R$ 3,3 bilhões.

O que fazer

Segundo especialistas, investidores que possuem aplicações em fundos como esses deveriam repensar imediatamente seus investimentos e procurar aplicações mais vantajosas. Se permanecerem onde estão, esses investidores continuarão a empobrecer e poderão não realizar os sonhos de consumo que alimentam, seja uma casa, um carro, uma viagem, um período de estudos ou uma aposentadoria confortável.

“Com os juros em 6,75% o investidor passa a ter a obrigação de perguntar e saber a taxa de administração do Fundo DI ou de Curto Prazo onde colocará seu capital. Isso será decisivo para ganhar mais. Com as taxas cobradas por algumas instituições, o que para os bancos e sua rede de gerentes acaba sendo um excelente negócio, para os investidores não é nada vantajoso”, afirma Antonio Brown, assessor de investimentos da XCare Investimentos.

Na opinião dele, o investidor que quiser selecionar fundos DI e de Curto Prazo melhores do que a poupança e CDBs com liquidez diária, precisa pesquisar e entender que na maioria das vezes essas aplicações não estarão disponíveis nos grandes bancos. “Nem cogite olhar fundos com taxas maiores do que 0,5% ao ano” aconselha.

O rendimento nos próximos 12 meses

Qualquer especialista em finanças sabe que não há como ter certeza absoluta sobre rendimentos de aplicações.  No entanto, em determinados casos, é possível chegar muito próximo do retorno de um investimento com uma projeção simples. É o caso dos fundos DI e de curto prazo. A carteira desses fundos é composta basicamente por títulos públicos pós-fixados, que acompanham a Selic (taxa básica de juros). Com isso, o rendimento bruto, sem descontar a taxa de administração e o Imposto de Renda, tende a ser praticamente igual a taxa básica de juros ao longo do período, com variações muito pequenas tanto para mais quanto para menos. Portanto, a grande diferença entre um fundo DI e de curto prazo bom para um cliente e um ruim é mesmo a sua taxa de administração.

O que os bancos dizem

O Bradesco disse que o Hiperfundo tem características de um produto diferenciado cujo apelo comercial é voltado para poupadores que optam por produtos relacionados a sorteios. “É importante dizer que o Hiperfundo não consta nas grades de fundos das carteiras sugeridas pelo Banco”, disse o Bradesco, em nota.

O Banco do Brasil respondeu que o BB RF LP 100, o BB RF CP Automático e o BB RF CP Supremo Setor Público são fundos com movimentação automática direcionados à rentabilização de recursos de curtíssimo prazo, utilizados como ferramenta de apoio à gestão de fluxo de caixa. “O BB dispõe de um amplo portfólio de fundos de investimento para todos os segmentos de clientes, considerando seus objetivos, horizontes e perfis de risco, com taxas a partir de 0,20% a.a. Além disso, vem aprimorando constantemente a assessoria em fundos de investimento para auxiliar o investidor a encontrar as melhores alternativas de investimento para as suas necessidades”, diz a nota.

O Santander afirmou que os fundos Santander FIC FI Empresas Curto Prazo e Santander FIC FI Automático Curto Prazo têm o propósito de remunerar os recursos parados em conta corrente no curtíssimo prazo, por meio dos serviços de aplicação e resgate automáticos. Os fundos Santander FIC FI Inteligente Renda Fixa Curto Prazo, Santander FIC FI Classic Referenciado DI e SantanderFIC FI TOP RF têm o mesmo propósito, porém por meio do serviço de resgate automático. “Todos os fundos, com exceção do Santander FIC FI Automático Curto Prazo, estão fora da oferta e não estão sendo comercializados, assim como o fundo SantanderFIC FC Extra RF DI. Oferecemos um portfólio completo de fundos para atender à necessidade de cada cliente, respeitando o seu perfil de risco e objetivo de investimento”, conclui a nota do banco.

O Itaú tinha um fundo citado na matéria, O Prêmio Referenciado DI, mas a gestora decidiu rever a taxa de adminstração e reduziu de 3,9% para 2% nesta sexta-feira, após a publicação da reportagem.

Os outros bancos não se posicionaram até a publicação desta reportagem. Fonte: Infomoney

 Fonte:  Guia de Ações
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